Acredito que por ser matemático, tenho um encanto especial por música. Não só porque, de forma consistente, o estudo e desenvolvimento da música só veio a partir de matemáticos, como Pitágoras e a criação da escala pitagórica. Mas porque uma música se trata de lidar com uma quantidade enorme de variáveis; em primeiro lugar, na composição. Tomo por exemplo a 9ª Sinfonia de Beethoven. Uma música de aproximadamente 1 hora. Todavia, a música é um GRANDE LIVRO DE MATEMÁTICA. Por que digo isso?
- 7 anos foi o tempo aproximado da sua composição [você faz idéia de quantas páginas e notas há neste enorme livro?];
- Orquestração próximo de 30 instrumentos (pois na época alguns instrumentos necessitavam de várias afinações, pois no caso dos trompetes, não havia pistos ainda)
- 4 solistas + 4 vozes coral.
Ou seja, pensando apenas a composição num aspecto vertical, são em torno de 38 vozes. Matematicamente falando, só por aí, seria uma função de 38 variáveis. Mas não é só isso, na verdade este não é nem o começo; possuem as diversas dinâmicas, os tempos, os andamentos, as harmonias. Eu diria que, POR BAIXO, gira em torno de 50 variáveis.
50 VARIÁVEIS!!! É coisa pra caramba! Ou seja, a cada passo horizontal, a cada nota (em 1 hora de música) o compositor lida com 50 variáveis, no caso Beethoven. Claro, se usarmos outro exemplo, como Gustav Mahler na 8ª Sinfonia, apelidada de (A Sinfonia dos Mil). Qual apenas de orquestração temos algo em torno de 85 vozes!!! Somando instrumentos melódicos, órgão, percussão e vozes cantadas. É algo absurdamente de proporção gigantesca!!! Aliás, eu mesmo, não saberia dizer algo na Engenharia que foi feito lidando com tantas variáveis.
Claro, estou falando do lado da música erudita, qual tem essa grandeza gigante, diferente de uma música popular, qual o número de variáveis se reduz grandemente, inclusive o tempo de composição (algumas composições, mal passam de 10 páginas).
Mas destaco que ainda há outro aspecto da música. Não são apenas tais variáveis. No caso de Beethoven, não são apenas 50. Pois isto é apenas quanto a composição, o que está no papel. Há o aspecto da execução. A execução da música é a parte mais complexa de todas. Pois além dessas 50 variáveis, para cada instrumento há um subconjunto com um leque enorme de variáveis; variáveis, quais cada instrumentista, a principio, tem que dominar e ter na ponta da língua com horas e mais horas, dias e mais dias, meses e mais meses, anos e mais anos de estudos.
Acredito ter um pouco de autoridade para falar apenas do trompete. E para tal eu digo que existem muitas variáveis particulares. Além do instrumento (de certo modo, cada instrumento é único, cada um tem sua peculiaridade, sua cor, sua textura sonora... um instrumento com um leadpipe reverso por exemplo, ajuda numa resposta mais rápida do som, e diminui a resistência interna da coluna de ar, fazendo com que isso há mais facilidade e controle do instrumentista para fazer legatos e trabalhar a região aguda, todavia, ao mesmo tempo, em geral, diminui um pouco o brilho do som e a capacidade de volume sonoro que se pode produzir nos afinados em si bemol), bem, além disso, há a sua língua, a qual é um verdadeiro pincel, qual você pincela como serão entoadas as notas, ou articuladas, além disso há os bocais, uma coleção enorme de bocais (mouthpiece), qual cada um produz um timbre peculiar, e possuem também suas variáveis peculiares de uso - um bocal com um diâmetro de 3mm menor ou maior faz uma diferença absurda). Além disso, há questões como respiração, onde respirar, quanto de ar soltar naquele trecho, naquela nota, como fazer o crescendo, como controlar sua musculatura da respiração e da embocadura... além da embocadura, como deixar os lábios. As vezes, numa frase mais clara ou animada, fazemos um leve sorriso para deixar a nota mais 'apertada' e 'brilhante' (sai um som levemente mais animadinho).
Ou seja, cada instrumentista, cada músico envolvido, inclusive do coral, precisam lidar com mais uma grande quantidade de variáveis. E por fim, temos a regência. O Maestro que é quem vai coordenar tudo isso, é ele que vai lidar com todo esse conjunto enorme de variáveis; a condução das partituras, a execução dos músicos, e de modo, que tudo isso soe a poesia, a expressão daquela música. Sim, um maestro tem que lidar com centenas de variáveis, por isso, eles ficam meio loucos, e praticamente, tem uma vida inteiramente dedicada a música, ficam o dia inteiro analisando partituras, pensando, ensaiando e exigindo mínimos detalhes de cada músico; pois por mais que ensaiam horas e mais horas, é preciso lidar com tudo isso para soar perfeito em tempo real.
Qual a grande diferença, acima de tudo, de um músico, ou um maestro de uma matemático? Bem, um matemático, a principio, funciona como algo lento, que não usa/faz matemático em tempo real. Ele é mais quem prepara a matemática para ser usada em tempo real. E esse tempo real de uso, já definido por ele, vai ser, normalmente, executado por um programa de computador, que ele ou alguém programou, para fazer aquilo que ele produziu anteriormente. Já o músico, não, é preciso fazer essa produção em tempo real; tem que lidar com essa quantidade imensa de variáveis rapidamente. E isso, durante uma música, algo rápido, exige muito, em especial da mente. A mente de um músico acelera, parece que o 'tempo' aumenta, o que é 1 segundo para uma pessoa comum, para um músico se torna um grande período de tempo, no qual ele pensa em muita coisa; toca uma nota lendo já vários compassos a frente, olha para a nota e já pensa em mil maneiras de tocá-la, em como está soando o conjunto, no tempo, para sair no tempo certo, em harmonizar o som... são tantas coisas; e isto, numa fração de segundo. Claro, não tem como pensar em tudo em tão pouco tempo, por isso é necessário tantas horas de estudos, repetições e treinos, para fazer com que muito dessas questões sejam automaticamente resolvidas como um extinto, de tamanha influência.
De certo modo, um dos grandes prazeres do músico para com a música é exatamente este, em conseguir resolver uma função de muitas variáveis. Mas, claro, há ainda muito mais coisas. Muito mais! Além dos sentimentos, emoções, impressões e idéias que a música podem produzir. Além disso, da união que promove entre tantas pessoas que ao invés de competirem, se unem por um objetivo comum. Além disso, o de poder compartilhar, isto, que faz da música ter sentido, e não ser lastrada como um mero engano. A Música que Inebria a alma. No meu ver, a música é o maior instrumento filosófico e educativo que existe. Acredito que poderíamos dizer: "Diga-me que músicas você gosta de ouvir, e eu direi quem tu és." Mas isto é assunto para um outro post.
Para presentear, e como uma referência desta imensidão de complexidade, disponibilizo a integra da Sinfonia dos Mil de Mahler.
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