12 agosto 2011

Influências de Anton Bruckner

Hoje terminei de ler a extraordinária obra "O Menestrel de Deus - Vida e Obra de Anton Bruckner" de Lauro Machado Coelho. Recomendo muito, muito, muito mesmo; sobretudo para os músicos compositores, quem se interessa sobre História da música, e questões mais filosóficas sobre esta; ou para aqueles que tem afinidade com esse genial compositor, um tanto quão desconhecido no Brasil. (diga-se de passagem, nunca ouvi falar dele até meus 22, 23 anos).

Bem, das 230 páginas deste livro bem denso de uma incrível pesquisa, com centenas de referências, e um conhecimento musical de extremo intelecto com um acervo bem abrangente, tenho dezenas e dezenas de páginas marcadas, algumas citações, verdadeiras pérolas que certamente já moldaram minha alma. Porém, por incrível que pareça, o capítulo que mais me chamou a atenção foi exatamente este último, não só por ter sido a leitura mais recente, mas porque ela mostra a influência que Bruckner deixou para a música no mundo, na posterioridade. Influências, que de certo modo, que me arrisco a dizer mais, mais profundas do que Beethoven. Pois se Beethoven nos trouxe "a sinfonia", "a expressão romântica" (como na sua 9ª), bem, Bruckner, de certo modo foi quem "cravou" a sinfonia, há recriou, lhe trouxe uma nova concepção, quase que indestrutível, trouxe-lhe uma alma poderosa; num período em que Wagner decretou sua morte.

Compartilho, alguns dos comentários dos compostiores quais foram alunos de Bruckner, ou quem este muito influenciou:

Gustav Mahler (1860 - 1911)
"Nunca fui aluno de Bruckner. A crença geral de que fui é atribuível ao fato de que eu era visto regularmente com ele, quando era estudante em Viena e era um de seus maiores admiradores. Na verdade, acho que meu amigo Krzyzanowski e eu éramos os únicos naquela época. Isso deve ter sido por volta de 1875-1881. [...] Meu envolvimento com ele durou até a época do término da Sétima Sinfonia. Ainda me lembro com prazer de uma bela manhã, durante uma aula na Universidade, em que ele me chamou na classe e, para o espanto de meus colegas, tocou para mim o tema maravilhoso do Adagio, num piano muito velho. Apesar da grande diferença de idade entre nós, a disposição invariavelmente feliz, juvenil e quase infantil de Bruckner e a sua natureza confiante fizeram do nosso relacionamento uma amizade verdadeira e, portanto, era natural que, à medida que eu compreendia as provações e as atribulações de sua vida, o meu desenvolvimento pessoal como homem e como artista fosse influenciado por ele. Na verdade, acho que tenho mais direito a me chamar de seu discípulo do que muitos outros, e sempre farei isso com respeito e gratidão."

Mahler foi um dos que mais propagaram a música de Bruckner, apresentou diversas obras suas. Regeu mais de uma vez a Te Deum (que a OSSA apresenta em Dezembro/12) com imenso entusiasmo; - Nas palavras de Carl Wilhelm Zinne, crítico do Neue Hamburguer Zeitung: "sempre de forma incandescente". - tanto que "fez com ele riscasse, na capa da partitura, a menção "para solistas, coro, órgão e orquestra". No lugar dela, escreveu "para as vozes dos anjos abençoados pelo Céu, os corações puros e as almas purificadas pelo fogo"." (p. 213)

Richard Wetz (1875 - 1935)
"Apenas em Beethoven, e assim mesmo muito raramente, encontrei espiritualismo sentido de forma tão profunda quanto no Adagio da Sétima Sinfonia. Ela é a mais pura forma de ventura celestial. Quantas vezes desejei mergulhar em sua imensa pureza e flutuar nessa música música como em uma ilha coberta de flores, no centro de um lago de águas claras. Se a eternidade pudesse se mover e falar, os sons que ouvirias seriam os da Sétimade Bruckner."

"A falta de substância interna dessa nova música (só o poder criativo e veril pode produzir essa substância) foi substituída por uma técnica brilhante cuja intenção é impressionar o ouvinte, distraindo-o dessa falta de essência artística. Como a harmonia, a técnica, o ritmo e a instrumentação estavam se tornando cada vez mais amaneirados e super-refinados, era inevitável que surgisse, mais cedo ou mais tarde, uma situação em que as assim chamadas obras progressistas ficassem cada vez mais parecidas umas com as outras, como duas peras em uma cesta. Não surpreende, portanto, que para criar algo original, os compositores tenham começado a atacar e até mesmo questionar os componentes básicos da música: a harmonia, o metro e a tonalidade foram declaradas obstáculos e, para transformar a sua pobreza tísica em luxuosa riqueza, os compositores inventaram o conceito de melodia supérflua. É nisso que a ideia de progresso deu, atualmente."

Einojuhani Rautavaara (1928 - vivo)
"Comecei a compreender que, fundamentalmente, não se tratava de um certo tipo de construção formal, mas de uma certa maneira de pensar a música: uma sequência de pensamentos que se metamorfoseiam lentamente, de acordo com uma lógica muito individual, e dependente do temperamento do compositor. É uma narrativa, mas a história contada não se comunica por meio de palavras  ou de conceitos, mas somente por meio de música. Essa sequência não inclui símbolos, nem romantismos, nem um rosário de notas preguiçosas para preencher a estrutura formal. Esses mesmos pontos de partida dão origem a pontos de vista novos e diferentes: a transformação lenta da luz e das cores é um traço típico. Motivos, a "personificação" de temas permanecem elementos centrais, mesmo que o ritmo, a harmonia e a cor tonal assumam uma funçaõ não temática - sem nos esquecermos da advertência de um colega mais velho: "Música sem melodia não tem talento nenhum"."

Adolf Hittler (1889 - 1945)
Cito apenas como uma intrigante curiosidade. O fato é que Hitler adorava as sinfonias de Bruckner, sobretudo a 4ª sinfonia. Claro, não foi um músico, tampouco um compositor, mas transformou Bruckner num tipo de Herói Nazista, um Símbolo do ideal de um homem austro-alemão, fez até uma estatua dele. E disse que sua música representava a Alemanhã Ressurgida, o III Reich, o ideal do alemão. E fez com que sua música fosse tocada muitas e muitas e muitas vezes na Alemanha, e suas rádios. Era muito comum a 4ª ser ouvida antes de uma reunião de gabinete e com os chefes de Estado, etc. Aliás, Hittler se indentificava com Bruckner, por também ter vindo da Alta-Austria, e por ter também seus problemas com os judeus, pois Bruckner foi sempre extremamente massacrado e criticado por um tal de Hanslick que era judeu. Mas Bruckner, pessoalmente não tinha problemas, raiva, ou inimizade com os judeus.


Compositores e suas respectivas obras que valem a pena serem ouvidas:
Com links de gravações no Youtube

Gustav Mahler (1860 - 1911)
Em geral, o modelo de Mahler está muito carregado de Bruckner. Principais características brucknerianas:

  • os traços rústicos presentes em certos scherzos;
  • as longas melodias cantabile, aparentadas ao Gesangsperiode, o tratamento bruckneriano do segundo grupo temático;
  • a predileção por ritmos de marcha ásperos e obstinados (que em Mahler assumem frequentemente o tom de marcha fúnebre);
  • e as proporções avantajadas de suas estruturas sinfônicas.
Suas sinfonias, em geral, percebemos de forma clara uma grande exploração da sonoridade da sessão dos metais, de belas melodias nas cordas; e na religiosidade cristã tardia de Mahler (que era judeu); em sua 2ª e 8ª sinfonia, lembramos de uma grande obra coral + orquestra, com uma grande energia e com apelo de caráter religioso, que nos retoma um pouco a ideia de uma influência da Te Deum.

Hans Rott (1858-1884)

Franz Schmidt (1874 - 1939)
- Sinfonias, quatro ao todo (principalmente a 4ª)
- O Livro dos Sete Selos (inspirado no texto do livro de Apocalipse)

Richard Wetz (1875 - 1935)
- Sinfonias (em especial: primeira (1ª) e terceira (3ª))
- Requiem
- Oratório de Natal

Egon Joseph Wellesz (1885 - 1974)
- Sinfonia 1 (chamada por Paul Conway de "a Décima de Bruckner")

Krzystof Penderecki (1933 - )
- Sinfonia 2 do Natal (Stille Nacht (Noite Feliz) é um tema várias vezes citado)

Rautavaara (1928 - )
- 5ª Sinfonia em diante


Curiosidade: Hans Rott foi tão criticado, por Hanslick e Bramhs, devido a sua influencia de Bruckner (que era seu professor no Conservatório). De modo que Bramhs lhe disse que não tinha talento algum para a composição e devia renunciar à música; e depois disso, Rott entrou em depressão ficando com sérios problemas mentais, morrendo poucos anos após, com apenas 26 anos. Todavia, ouça a sinfonia 1 dele. Se um garoto com seus 20 anos nas costas compos algo assim, imagina o que não teria produzido em sua maturidade; obra qual, alguns hoje comparam com uma obra de Bruckner composta em sua maturidade tardia (depois dos 40 anos). Ou seja, cuidado quando for criticar um músico-compositor, você pode literalmente acabar com sua vida. E assim, morreu alguem, que em sua juventude, compos uma obra, que alguns chamariam de uma tipica sinfonia mahleriana, que depois se tornou o maior sucesso.

Ao ouvir a Sinfonia em mi maior de Rott, eu simplesmente me vi num mundo mahleriano. Se não soubesse quem era o autor, e apenas escultasse, eu teria a plena certeza: "Isto é Mahler". É incrivel, mas o fato desse jovem, que morreu aos 26 anos, foi, sem sombra de dúvidas uma grande inspiração para o perturbado Mahler. Se percebe claramente, que há muito conteúdo nas sinfonias 1, 2 e 5 que são reminiscências muito claras desta sinfonia de Rott datada do ano de 1880. E por incrivel que pareça, apesar da sua clara influencia bruckneriana, no 4º movimento fica evidente que ele utiliza de um dos temas da Sinfonia 1 de Bramhs, soa quase que um arranjo; além de muitas influências wagnerianas (o que aparentemente, não rimava, mas causa de grande rivalismo: Wagner x Brahms). Todavia o que mais me surpreende é que esta sinfonia soa um tipo de "anúncio", "profecia" do que viria a ser a obra sinfônica de Mahler. Eu particularmente considero genial está sinfonia dele, a qual foi criticada, e injustamente, brutalmente ridicularizada, o que o provavelmente levou-o a loucura. Apesar, de achar um pouco de uso exagerado dos trompetes; há música chega há um limite, quase que soando uma fanfarra; acho que faltou maturidade dele nesse aspecto, pois quando se trabalhava com solo de metais, sobretudo trompetes e trombones é uma grande perca dos demais naipes, quase como se tivesse esquecido deles. Todavia se percebe que ele consegue explorar de modo incrível o som da trompa e do trompete; acho que até então, plenamente inovador. Vale realmente a pena conferir.

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