07 julho 2020

O que minha mãe me ensinou

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Dizem que um dos grandes CHOQUES da vida de um homem é quando se perde a mãe. Parafraseando um comentário que li sobre uma sinfonia de Bruckner: "Se isto não te faz mover, nada mais fará." Neste último sábado, 4 de julho de 2020, minha mãe descansou. E isto te move! (Você literalmente precisa reorganizar sua mente, quem você é, e o que fará da vida.) Após uma dura luta de 1 ano e 8 meses contra um cancer de estômago - diagnosticado já no estágio IV, com posterior metástase para o fígado, biles e o pâncreas. Porém, por maior que seja o luto e dor dessa trajédia, a tinta não é escura o suficiente para ocultar as obras que ela carregara nesses mais de 65 anos de vida. E aqui vai, como uma homenagem, uma simples recordação do que vivi e aprendi com minha mãe. Espero que você possa aprender um pouco também.

Minha mãe teve origem muito humilde, em uma simples fazenda próxima a cidade de Acerburgo e de Monte Santo - MG. Uma família bem pobrezinha (dos tempos da latrina no lado de fora casa e cama de palha). Por outro lado, uma família tremendamente viva em amor e trabalhadora. Ao todo, foram 9 filhos. Uma logo se foi (mal nascera), um morreu na adolescência com leucemia, demais ainda vivem: 3 irmãos e 3 irmãs.

Procurando uma chance e qualidade de vida melhor para a família, meu vô, Claudio, decide vir para São Paulo, posteriormente trazendo toda família. Consegue um trabalho simples, um terreninho em Santo André, onde constrói uma simples casa para abrigar uma família tão grande. Esta casa - ainda está de pé -, tornou-se como um Templo para a família. Nela, ainda hoje, todos nos reunimos. Nela, minha mãe teve seu último fôlego.

Minha mãe já era adolescente quando chegou em Santo André, onde completou seus estudos. Com MUITA luta, dificuldades da pobreza, meu avô e minha avó conseguiram cuidar dos filhos, mesmo com alguns deles dando 'muito trabalho'. Já minha mãe foi uma filha mais exemplar. Mais tarde, meus avós conheceram a mensagem da Volta de Jesus, a Grande Esperança, aceitando a fé Adventista do Sétimo Dia, passando-a para toda a família - mesmo alguns filhos não aceitando depois. Minha vó, praticamente aprendeu a ler sozinha tentando ler a Bíblia. De certo modo, esta família acabou sendo um grande alicerse da fé adventista da volta de Jesus em Santo André, pioneiros na construção e manutenção, até hoje, da pequena, simples e humilde Igreja Adventista de Vila Guaraciaba que fica na rua dos meus avós (apenas a 1 quarteirão da casa dos meus pais), onde passei grande parte da minha vida da minha infância.

Minha mãe cresceu. Tornou-se uma secretaria. Não aprendeu inglês, mas chegou a saber razoavelmente bem de francês. Foi uma pessoa muito trabalhadora - como cada um da minha família. Seu trabalho mais significativo foi trabalhar de secretária na Casa Publicadora Brasileira (uma editora de literatura cristã), quando situava-se em Santo André, no terreno em que, posteriormente, foi o famoso Mappin, e, que, hoje, Shopping ABC. Nesta jornada, conheceu meu pai e tiveram 2 filhos: meu irmão mais velho e eu. Deixou de trabalhar e passou a se dedicar ao lar e, sobretudo, com aos filhos. Crescemos ao lado de minha mãe. Eu, por mais tempo, pois, só fui sair de casa para valer, quando casei, aos 30 anos.

Neste tempo, aprendi MUITO com minha mãe. Rute, como se chamava, era uma pessoa muito mais de atitude do que de palavras. Uma pessoa de caráter forte, coerente, com claro discernimento e sabedoria - aquela do tipo que só a experiência de quem passou por muita situação dificil na vida promove. Uma pessoa que, geralmente, esperava o outro terminar de falar para então falar, após ponderar bem as palavras. Sempre procurava não incomodar ou decepcionar os outros, por vezes, agindo contragosto. Não tinha ensino superior, mas ninguém enrolava ela. E para ser sincero, era uma doutora em Educação (muito mais que os que conheci na FE-USP). Fazia verdadeiras obras de arte na cozinha; conhecia mais sobre saúde, hábitos saudáveis, do que muito médico por ai. Uma referência entre os vizinhos mais antigos do bairro. Bairro qual ela acompanhou a transformação de uma vasta área verde, tornar-se um aglomerado de casas, ruas e carros. Uma pessoa que sempre esteve à frente, na simples igreja, cuidando, na maioria das vezes, das crianças. A qual não perdia um culto. Ajudou a cuidar de vários sobrinhos e de uma neta, pela qual se derretia. Uma pessoa trabalhadora, que sempre buscou ajudar nas finanças do lar, fazendo trabalhos de corte e costura, cortinas, cuidando da casa de outros, até mesmo como babá e ajudou meu pai a administrar um pequeno negócio de decoração por um tempo.

Minha mãe era uma pessoa que frequentemente puxava a orelha dos filhos e dos irmãos para fazerem o que era certo. Para ela, era inadmissivel não completar algo que se comprometeu a fazer e, quando fizesse algo, tinha que ser não apenas bem feito, mas feito de coração. O capricho, por vezes, me parecia ser um exagero. Mas era pura sabedoria. Não fazer o certo era inadmissível para a minha mãe, o que, algumas vezes irritava aqueles que queriam persistir em atitudes egoístas, erradas, tentavam discutir (mesmo sabendo estarem errados). Assim como era o valor da honestidade. Tinha que ser honesto e ponto final. Não se discute. Se algo tirava o sono da minha mãe, além da preocupação com os filhos, era o pensamento de que ela estava devendo algo para alguém. Mentira, para minha mãe, era como um tiro no peito. Por mais que a verdade pudesse doer, era comum ela cobrar quando percebia que havia mais coisa escondida na história, mesmo que para poupá-la: "Fala a verdade."

Ela, logo cedo, aprendeu muitos princípios de vida saudável, especialmente no que tange a alimentação. Me ensinou, desde pequeno o que se deve e não deve comer, os hábitos e atitudes saudáveis - mesmo eu tendo sido uma criança que deu muito trabalho neste sentido. Por outro lado, foi a única pessoa que me ajudou a ser vegetariano e que nunca pegou no meu pé por isso. Mais tarde, ela também adotou tal regime. Sem extremismos. De todos da família, ela era a que mais se cuidava de dentro para fora. Fazia alongamentos, pulava cordas, caminhava vigorosamente - por vezes, corria - nos parques, todas as manhãs e muitos finais de tarde. Até a doença começar a dar seus sintomas, fazia ginástica há alguns meses no Ginásio Poliesportivo Pedro D'Anotnia. Aliás, um 'mal estar' durante os exercícios, foi um dos primeiros sinais, que, mais tarde nos fez descobrir o tumor.

Nunca aprendera a dirigir, mas nada a impediu de se deslocar a distância que for. Na chuva ou no sol, para cumprir seus afazeres, ou me levar no dentista, médico, que fosse, não havia tempo ruim para a minha mãe. Só tempestade, da qual sofria um tipo de fobia. Mas viagens de 2 horas de transporte público lotado, em pé, debaixo da chuva, era algo que raramente a vi reclamar. Especialmente, quando me levava até a UMESP em São Bernardo para tratar dos meus dentes. Ela sempre me transmitia a ideia de que estava cumprindo um dever, com o amor, e sem se inportar com o tamanho do desafio. Quantas vezes não percorreu um caminho de quase 1h30 só para me buscar na escola?

Muito antes de eu estudar Matemática e Economia, minha mãe me ensinara, na prática, o que é cuidar das finanças do lar. Ela sim foi um exemplo de pessoa economica. Que mesmo na simplicidade da vida, das atividades pouco rentáveis, sempre conseguira juntar uma pequena quantia de dinheiro para suprir alguma necessidade em casa, alguma roupa para os filhos, alguma reforma. Raramente, gastava consigo. Não me recordo de uma única vez que ela esbanjou em algo. Uma pessoa pouco apegada a luxos e vaidades. Ia no Brás de trem. Com ela, aprendi a fazer compras na Zona Cerealista. O que fosse possível, fazia com as próprias mãos. Procurava pelos melhores preços aqui e ali (às vezes, até exagerando de tanta indecisão).

Com a minha mãe, aprendi o valor que cada centavo, cada real possuí. Aprendi a ser grato, mesmo quando o prato principal é um miojo. Todavia, quantas vezes nao preparava verdadeiros banquetes? Aprendi a economizar. Aprendi modéstia. A ter uma vida simples, grato e contente pelo pouco que se tem; aprendendo a extrair o máximo possível daquilo que possuo, mesmo que seja algo bem antigo. E uma coisa que ela não suportava era quando alguem da família gastava dinheiro à toa com algo supérfulo.

Considerava o trabalho tão essencial e importante na vida que, diversas vezes, enquanto eu ainda estava completando o ensino médio, ela pegava no meu pé (e como pegava), para eu conseguir um trabalho, para ajudar pagar as contas da casa, dívidas da família e ter meu dinheirinho. Quantas vezes não falou para mim a importância de eu conquistar "o meu dinheiro", poder comprar as minhas coisas, ter minha independência, crescer, prosperar. Que o sonho dela - muitas vezes - era de poder me ajudar a comprar, conquistar algo de grande valor. Para isso, repetidas vezes, me contava da história dos pais dela e de como ela e meu pai juntaram dinheiro para conseguir comprar o terreno e erigir a casa. Me surpreendendo novamente, foi praticamente quem me deu o presente de casamento mais caro de todos. Para ela, significou tanto este ato, que o valor parece ter ganhando uns 6 dígitos a mais. Lembro de certa vez quando ela disse que gostaria tanto de poder me dar um carro, pois ela via algo que eu ignorava... enquanto eu estava tranquilo na minha auto-suficiente bicicleta, ela percebia quantas oportunidades um carro traria, e, se incomodava que eu não estivesse aproveitando a juventude, viajando, conhecendo os lugares, paquerando, namorando. Quantas vezes ela não me disse que a juventude passava muito depressa, e que eu deveria aproveitar.

Ela me ensinou muito sobre religião e cristianismo, mesmo sem conversamos muito sobre. Como? Com ações, com a tendencia dos seus pequenos atos, hábitos e palavras no dia-dia. Quantas vezes, em uma sexta-feira a noite, não a via, em casa, ouvindo, repetidas vezes, músicas cristãs e infantis, preparando verdadeiras obras de arte de tudo qualquer tipo - super criativos - para, no dia seguinte, entreter e ensinar valores biblicos para crianças? E olha, incontáveis vezes, ficava madrugada a dentro, só para terminar. Fazia tudo isso com coração. Para Deus, para as crianças. Não pedia nada em troca. Mesmo que, diversas vezes, ficara decepcionada, pois, nenhuma criança aparecia, mesmo após tanto esforço. Suas criticas e observações sempre foram bem ponderadas; ajudaram-me a ver coisas com outros olhos, e, eu, que muitas vezes me achava sendo 'o entendido', ficava surpreso com os olhos da experiência que ela possuia.

Inquieta, quando você menos via, ela estava preparando algo para ajudar alguém e, muitas vezes, ir com minha tia e pessoas da igreja, visitar pessoas necessitadas, ou mesmo levar uma cesta básica na favela.

Uma pessoa estudiosa, sempre pegou no meu pé quanto aos estudos (mesmo eu sendo um aluno com frequentes notas vermelhas). Ela sabia que a única forma de termos alguma chance de ter sucesso na vida, conquistar melhor qualidade de vida, seria através de estudos e esforços pessoais, pois, o berço não foi de ouro - longe disso. Não havia tempo ruim para estudos. Não importava a chuva, meu sono, fome, febre, doença, a menos que estivesse muito ruim, tinha que ir para a escola e ponto; assim como estudar para provas - ela até chegou a fazer várias 'provas' para eu estudar (isto, muito antes de eu imaginar o que era um simulado de vestibular). Só parou, quando viu que eu andava com as minhas próprias pernas nos estudos, e que os resultados eram satisfatórios. Mas ainda assim, broncas e puxões de orelha sempre estavam presentes. Ora por estar há muito tempo na rua jogando futebol com a garotada, ora por estar há muito tempo no computador/videogame me entretendo com algum jogo. Aliás, passei pela experiência dela me encontrar jogando fliperama no Bar, próximo à padaria, com o troco do pão, e receber umas boas chineladas, para nunca mais repetir a dose. Porém, mesmo quando entrei na USP, ela não socegou de me pressionar de conseguir um trabalho até que, finalmente, eu consegui [uffa! ela estava certa]. Vale considerar que ela estudou a noite para terminar o Ensino Médio, após um dia muito cansativo de trabalho e isto significava que dormia muitas vezes na sala de aula, de modo equivalente ela queria que eu tambem não tivesse molesa, neste sentido, que soubesse lutar e trabalhar duro, estudando a noite se preciso.

Me contou bastante da época da escola dela, no período militar. Sempre falou muito bem da escola e como era aqueles tempos. Exceto para uma única professora que ela teve, que se lembrou alhumas vezes de como ela foi malvada e cruel com ela.

Sempre se preocupou em nos dar o melhor em termos de Educação, possível. E assim conseguira uma bolsa de estudo para eu como meu irmão estudarmos no Colégio Adventista de Santo André. Do meu bairro e rua, fui um dos únicos que pôde estudar numa escola privada (meus amigos achavam que fossemos rico por isso). Para o material didático, procurava SEBO, ex-alunos, etc. Vivi com livros usados. E lembro que no terceiro ano do primário, derrubei suco de uva na mochila, e usei o material, livros, tingidos de roxo, pelo ano inteiro.

Nos seus conselhos amorosos de mãe, "Você precisa ter uma renda, um carro, para poder paquerar, levar a namorada para sair, comprar um presente", "Nenhuma mulher se interessa por um homem sem dinheiro e vagabundo" - eram conselhos que ela dava, mesmo, muitas vezes preocupada por eu ser tão 'caseiro' e, raras vezes, me preocupar de conseguir uma namorada. Dizia isto quando eu ainda nem sabia o que era ter um salário. Alertas não faltaram quando comecei a namorar. Certa vez, avisou: "Olha, filho, sai dessa. Que ela só esta te enrolando." E, pouco tempo depois, descubro da pior maneira possível que ela tinha toda razão. Aliás, o sexto sentido da minha mãe era, por vezes, assombroso. Alguns até brincavam de "praga da tia Rute". Se falasse que ia chover, podia esperar um temporal. Se ela falassr para você levar uma blusa, você se arrependeria amargamente se não ouvisse ela.

Inúmeras vezes, ela assistira filmes e programas de TV comigo [até mesmo meus peculiares gostos de engenharia, séries médicas...]. Levei-a em consertos de música, e em algumas programações em que eu tocava. Recordo de quando levei ela para ouvir a 4a Sinfonia de Bruckner, e ela não pareceu ficar nem um pouco impressionada com aquilo [sinceramente, acho que ela não gostou]. Demorou para cair a ficha, depois de muito tempo, entendi que ela apenas queria 'estar presente', curtir a companhia. E ai está outro valor que ela me ensinou: o apego a família. A família estar bem unida, mais do que isso, reunida, passar tempo juntos era um dos valores mais elevados da minha mãe. E, neste sentido, por vezes ela batalhou para me ensinar isso, sobretudo quando meu comportamento mais introvertido me fazia querer ficar 'mais na minha' no computador, livros, filmes, ao invés de interagir com os familiares; ela me dava uns toques/ordens para ir ficar com a família.

Me ensinou a cuidar. Como? Novamente pelo exemplo. Minha mãe cuidou de muitas pessoas, e pude acompanhar de bem pertinho muitos casos. Aliás, para começar, a maneira como cuidou de mim, sobretudo nos momentos em que estive bem adoentado e internado. Cuidou de primos desde bebês, até adolescentes, de minha tia quando teve problemas cardíacos, assim como de minha falecida avó. Destaco a maneira como ela cuidou da mãe dela, qual, nos últimos anos de vida teve Alzheimer, cada vez mais avançado, incluindo uma diabetes. Mesmo nos momentos mais difíceis, em que muitos perderiam a paciência, minha mãe mantinha o carinho e cuidado a todo vapor. Não foi só com ela, mas muitos outros, inclusive conigo. Mesmo quando eu agia de maneira grosseira com ela ou não agia de maneira agradável, ela continuava a lavar minhas roupas, preparar uma deliciosa comidinha caseira, sem reclamar. As vezes, a vi chorar, mas, geralmente, se escondia no quarto para que não vissemos; quarto este, onde costumava orar de joelhos por cada um da família. Com minha mãe aprendi que amar também é cuidar, wuerer e lutar pelo bem do próximo, mesmo quando tal não corresponde, não reconhece, falha com você.

Por outro lado, o desejo de cuidar levou a medos exagerados quando se tratava de suas fobias. Como o temor dela pelas minhas trilhas e acampamentos no meio da mata. Para ela, era certeza que a qualquer hora uma cobra iria me picar, um raio cairia sobre minha cabeça numa partida de futebol na chuva, ou uma tuberculose me atacaria ao abrir a geladeira e andar descalço após o banho quente. O medo que eu iria morrer por qualquer risco, era exagerado; mas mostrava sua preocupação e o quanto se importava com minha saúde e vida. Sim, em tudo isso, eu reconhecia o quão que ela se importava. O quão queria nos proteger. Queria nosso bem. Quantas vezes não me quiz poupar e mesmo ajudar, ficando acordada até tarde, só para deixar o portão da garagem aberto para eu chegar da USP, por volta das 00h00 - 01h00, ou preparando um delicioso chá com alguns biscoitos? Quantas noites não passava noites em claro tentando falar com meu irmão que tinha ido para balada?

Mimado? Ela tentou me mimar ainda mais. Aliás, caçula. Mas eu que não deixei ser tão mimado; fazia questão de contrariar ela, muitas vezes, apenas para poupá-la e mostrar que eu tinha que me virar. Mais acentuado ficou quando anunciei que iria casar. Aliás, eram os últimos dias morando com ela. Por outro lado, ela sempre respeito minha liberdade de escolha, nunca impediu, nem mesmo quando escolhi fazer karate e outras coisas contrárias a vontade dela. Ela aceitava minha escolha. Neste sentido, ela sempre zelou para que desenvolvessemos nossa capacidade de escolher, planejar, assumor riscos, mesmo de coisas que ela sabia wue era errado ou que resultaria em arrependimentos (mas claro, era comum antes ela alertar e, depois, "praga de mãe").

Seu dia da semana mais especial era o sábado. Não só pela bênção de Deus. Mas era geralmente o dia que eu almoçaria em casa. E ela não poupava esforços em querer fazer do almoço deste dia, um verdadeiro banquete. Em especial, quando a casa ficava cheia, com familiares e amigos. 'Servir' era a essência dela. Por vezes, era mais comum ela querer ficar na cozinha e servindo, tentando deixar tudo o mais agradável possível para os visitantes e familiares do que, de fato, passar aquele tempo conversando e interagindo com eles. O trabalho de servir dela, por vezes, falava muito mais do que prozas e poesias. O que, por vezes, me cortava o coração quando escolhia passar este dia com amigos, ou em uma programação longe, ou almoçar na casa de alguém de última hora, e, ela, muitas vezes, ficando a tarde toda sozinha em casa. Mas sábado e domingo eram os dias que passávamos mais tempo juntos.

Nunca andou de avião. Não era seu sonho e vontade ficar viajando pelo mundo a fora. Se tivesse muito dinheiro, talvez se desse um pouco este luxo. Por outro lado, sempre desejara passar tempo com a família. As vezes, aceitando viajar com a família mesmo quando, as condições de saúde e financeiras pediam para ficar em casa.

Uma mulher forte e guerreira. Firme nos seus propósitos e crenças. Quase nunca ficava doente, e quanso ficava, logo passava. Resistente a dor e a fraqueza. Me ensinou, na prática, o que é resiliência. Podia estar com febre, mas lá estava ela cuidando da casa, mesmo quando falávamos "Mãe, descansa."

Rute, que mulher forte! Com mais de 50 anos, caminhava quase 8 km para ir na casa de minha tia para cuidar da filha dela, passava a tarde inteira e, às vezes, voltava os 8 km caminhando também, e não deixava as coisas de casa por fazer. Não tenho sombras de dúvidas que foi esta força e fibra física-mental que permitiu que resistisse a este cancêr agressivo por tanto tempo, tão lúcida, com qualidade de vida e nível 'incomodo' que impressionava os médicos. Por outro lado, quando a via de fato 'entregue', deitada, cansada, sem coragem para levantar da cama, ou reclamando de alguma dor, era de partir o coração, pois sabia que significava que, para ela, estava muito forte, insuportável; sabia que, de fato, minha mãe estava mal e que eu precisava ajudá-la de alguma forma.

O cancer chegou de surpresa, para todos. Por que ela? Nada fazia sentido. Era talvez a pessoa mais saudável de toda a família. A que mais se cuidava. E uma das mais zelosas a bons hábitos que já conheci. O diagnóstico e tratamento chocou a todos. Mas, minha mãe, novamente foi guerreira. Foi zelosa ainda mais em seus hábitos, o que certamente aumentou muito sua sobrevida e qualidade de vida conforme a doença consumia seu corpo.

Lúcida, sempre procurou manter-se com a mente ocupada e ativa. Pelo menos lendo a Biblia, alguma literatura, um caça palavras, quando disposta mentalmente, pois a doença, por vezes, produzia uma condição de extrema fraqueza e moleza. Mas para quem convivia com uma anemia de assustar, ela era incrivelmente disposta, forte e ativa. Mesmo poucas 2 meses antes de falecer, extremamente magra e fraca, quando teve um pouco de forças e disposição, ajudou minha tia na confecção de dezenas de máscaras para combater o Covid-19. Nestes 1,5 anos de câncer, pude estar com ela praticamente todos os sábados e, outros dias, mas, no fim, pareceu ser pouco. E, apesar do desconforto da doença, ela nunca demonstrou recair nesses princípios; pelo contrário, cada dia era uma nova lição para mim. Aos poucos fui descobrindo quantas coisas ela evitou de me contar, apenas para me poupar. E quão forte ela foi. Não entrou em depressão em nenhum momento, apesar da tristeza.

Finalmente chegamos no maior valor que minha mãe me ensinou. Ela me ensinou o significado prático do que é o amor e querer fazer, de coração, o bem ao próximo. Em especial, o amor da família Costa. O legado de seus pais, meus avós. Uma família única, mesmo com seus defeitos. Amar mesmo aqueles que, por vezes, não nos respeitam. Amar na saúde e na doença. Amar mais do que o sono. Amar mais do que os próprios sonhos. Amar mais do que a si mesmo.

E, certeza eu tenho, de que quanto mais eu pensar nesses 34 anos no que pude conviver com esta maravilhosa mulher, mais lições irei descobrir desta humilde e baixinha mulher, qual teve o mais puro dom da arte de ser 'minha mãe'

Seu hino favorito: 70 - Porque Ele vive ( https://youtu.be/wLgFvgkQWmw )

Seu trecho favorito da Bíblia: Salmo 121

1 Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? 2 O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.

3 Não deixará vacilar o teu pé; aquele que te guarda não tosquenejará. 4 Eis que não tosquenejará nem dormirá o guarda de Israel.

5 O Senhor é quem te guarda; o Senhor é a tua sombra à tua direita. 6 O sol não te molestará de dia, nem a lua, de noite. 7 O Senhor te guardará de todo mal; ele guardará a tua alma. 8 O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre.