15 novembro 2016

O Paradoxo de Epicuro (O Problema do Mal)

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# INTRODUÇÃO

Há poucos meses, deparei-me com o chamado "Paradoxo de Epicuro". Para a minha surpresa, nunca tinha ouvido falar neste paradoxo apesar de sua ideia central ser bem comum e antiga para quem está familiarizado com o Cristianismo.
Meu maior ponto de discussão, nesta ocasião em que me apresentaram o paradoxo, era se Epicuro de fato tinha dito aquilo, pois, pelo pouco que estou familiarizado com História Grega e alguns dos seus filósofos - inclusive daquilo do que Sêneca muito cita de Epicuro - dentre outras questões históricas... Para mim não fazia sentido Epicuro falar aquilo daquela maneira como me foi exposto.

Por quê? Seria demasiado 'infantil' para sua filosofia robusta - pensei eu. Depois, vi que esta maneira absurda apresentada - neste "fluxograma" na imagem ao lado - foi desenvolvida por pessoas mais 'modernas' para tentar usar Epicuro como 'um tipo de arma' contra o Deus Judaico-Cristão (o Deus da Bíblia). [MANIPULAÇÃO, em outras palavras] Mas, por fim, consegui deixar bem claro para eles os pontos que tornavam questionável a autoria de Epicuro para este fluxograma e suas conclusões. Eles, por não conheceram nada de História Grega e de Epicuro, não sabiam nem o que dizer quanto a isso.

Para minha segunda surpresa, percebi que as pessoas acharam que o fluxograma era bem lógico e um "forte argumento" - independente do que Epicuro realmente disse ou não e qual era, ou não, sua intenção. Tais pessoas atuais (modernas) tinham que a ideia do fluxograma era 'uma verdade', para elas, tão elementar quanto a gravidade o é quando se solta uma maçã e a vê cair.

Em outras palavras, não era nada óbvio - tampouco claro - para tais o quão simples é este paradoxo e como é fácil superá-lo (ou melhor dizendo, ele não se aplica ao Deus da Bíblia) apenas buscando conhecer/entender o que a Bíblia revela. [Afinal, os Paradoxos de Zenão (Art1, Art2, Art3) são muitíssimos mais envolventes, robustos e importantes, para os pensadores ao longo da História do que este, de Epicuro.]

Dividi este artigo/análise nas seguintes partes:
  1. O Verdadeiro Paradoxo
  2. Considerações Sobre O Mundo Grego
  3. Epicuro era Ateu? Quem ele era?
  4. Um pouco de Matemática Profunda: Conjuntos e o Infinito
  5. As premissas de 'Epicuro'
  6. Conclusão

# PREMISSAS SOBRE O PARADOXO E EPICURO

1. O Verdadeiro Paradoxo

Seria Deus desejoso de prevenir o mal mas incapaz? Portanto não é omnipotente. Seria ele capaz, mas sem desejo? Então é malévolo. Seria ele tanto capaz quanto desejoso? Então por que há o mal? (A Filosofia da Necessidade, Charles Blay)
No Wikipedia pode encontrar outras formas escritas e algumas considerações.

Pesquisando um pouco, descobri que não se sabe se, de fato ,este paradoxo foi enunciado por Epicuro, pois muitos especialistas observam vários motivos para não acreditar que foi ele e que possivelmente foram outras pessoas, assim como quem resgatou este paradoxo foi Lactâncio (um cristão que queria refutá-lo). Bem, também percebi que há inúmeros sites ateus que citam este paradoxo como sendo "um golpe final" contra o Deus da Bíblia [quanta presunção]; mas, por outro lado, não reparei em nenhum dos sites, nenhuma citação ao que Lactâncio falou. Mas deixemos isto de lado. Vamos simplesmente nos focar no Paradoxo verdadeiro (o do Fluxograma é falso).

Resumindo o paradoxo temos a ideia de que é ilógico admitir a existência de um 'deus' que seja ao mesmo tempo: (1) Onipotente, (2) Onisciente e (3) Onibenevolente (só faz o bem).

Esta definição, aparentemente, se aplica ao Deus Judaico-Cristão, o Eu Sou, revelado na Bíblia. E, diante disto, algumas pessoas tomam este paradoxo por base para tentar 'provar' que Deus (como revelado na Bíblia) não existe.

2. Considerações Sobre O Mundo Grego
Resumindo, a Grécia não era ateia. Era politeísta, a própria mitologia o era. Porém, por vezes, pensadores questionavam sua religião, seus deuses, a lógica disso tudo; propunham 'melhorias', ou mudanças tremendas. (Veja a morte de Sócrates, por exemplo.) Ainda na Grécia, se viu surgir fortemente algumas ideias do que hoje até classificaríamos como Ateísmo, Ceticísmo, Deísmo e Panteísmo.

3. Epicuro era Ateu? Quem ele era?
Epicuro não era ateu e não estava defendendo o ateísmo. A linha de pensadores que o influenciara era caracterizada pelo idealismo, pela busca da verdade (aletheia), por acreditar que a verdade existia assim como em suas implicações moralistas e teológicas. Buscavam o ideal de vida, no sentido mais refinado e puro.

Xenófanes (570 - 475 a.C.) foi o primeiro a chegar na máxima de um deus monoteísta, onipotente, perfeito, justo, imutável, eterno, não-gerado, puro. Por mais que haja elementos/ideias comuns, não era uma revelação de Deus como o está na Bíblia. Há tremendas diferenças. Porém, aqui há o ponto chave da questão. Epicuro praticamente sempre tivera referências quase que unicamente politeístas ou de um tipo de 'panteísmo monoteísta' que também já dava as caras em seus dias. Epicuro provavelmente não teve um contato de qualidade com a religião hebraica, o que o mundo grego só foi conhecer 'melhor' no Período Helenístico (323 a.C. a 146 a.C.) e, profundamente, nas viagens missionário de Paulo de Tarso (no Séc. I d.C.). Logo, o conjunto de ideias que Epicuro tinha de insumo para trabalhar não eram as ideias do Deus da Bíblia e sim outras.

Epicuro (341-270 a.C.) defendia o politeísmo (vários deuses/entidades) de modo que nenhum deus era um do tipo 'deus perfeito' ou 'deus completo, tampouco o deus panteísta. Com palavras modernas, e bem superficiais, a obra teologica de Epicuro se resume nestes pontos:

  • necessidade de uma 'fragmentação' entre os poderes/intenções dos seres superiores;
  • negação dos ideias de onipotência, onisciência e onipresença;
  • os deuses não se importam com a humanidade e o mal;
  • não adianta o homem buscar 'o favor dos deuses', pois eles não estão nem aí para o homem;
  • o homem deve buscar viver da melhorar forma possível sem contar com a ajuda dos deuses;
  • a melhorar maneira de se viver seria 'imitar os deuses', isto é: o homem deve ser 'inabalável na felicidade'. Esta é a ideia central que plantou o que mais tarde foi chamado de Estoicismo (em que Sêneca é um dos principais pensadores desta escola).


# Deus & O Problema do Mal

4. Um pouco de Matemática Profunda: Conjuntos e o Infinito
Você já parou para pensar no infinito? Acredito que já. E, em que conclusões você chegou? Bem, a Matemática abriu a mente dos homens para desvendar alguns segredos, criar novas palavras, perguntas e mistérios sobre ideias que envolvem 'infinitos' [isto mesmo, não existe apenas um tipo de infinito]. Se sua curiosidade for um pouco mais aguçada, recomendo que pesquise sobre o Paradoxo de Russell (1901), Teoria dos Conjuntos e Cardinalidade. {Operações com infinitos, números transfinitos, séries convergentes e divergentes, Teorema do Limite Central, Limites, Teorema Fundamental do Cálculo, aguçaria ainda mais a mente do leitor.}

O que significa ONISCIENTE, ONIPOTENTE e ONIBENEVOLENTE? Independente do que seja esta ideia mal definida que ninguém sabe definir claramente. Todas elas nos remetem uma ideia de totalidade. Ou seja, seria o "tudo" de algo. O poder máximo. O conhecimento máximo. A bondade máxima. O que nos aproxima de ideias sobre o Infinito. [Se quiser ver como isto é muito complexo e mergulhar mais a fundo em Matemática, pesquise sobre o Teorema da Completude.].

A questão é que não sabemos e que, em nossa presunção de 'sabermos', acabamos por cometer erros. Conhecimento infinito existe? O que seria? Vale conhecer qualquer coisa? Veja os seguintes exemplos contraditórios que podemos tirar ao pensar um pouco no Paradoxo de Russell:
  • Se Deus é onisciente, então Ele saberia como seria o Universo sem Ele;
  • Se Deus é onisciente, então Ele saberia como Ele seria se não fosse onisciente;
  • Se Deus é onipotente, então Ele poderia fazer com que deixasse de existir a si mesmo;
  • Se Deus é onipotente, então Ele poderia não ser ou deixar de ser onipotente.

5. As premissas de 'Epicuro'
Voltemos ao Problema do Mal e a versão séc. XXI do Paradoxo de Epicuro. Notamos claramente que os autores de tal fluxograma possuem as premissas de que:

  • Onisciente = saber qualquer tipo de coisa (um suposto 'tudo'), sem critério algum;
  • Onipotente = poder fazer qualquer tipo de coisa (um suposto 'tudo'), sem critério algum;
  • Onibenevolente = ser bom e fazer o bem em tudo, sem critério algum.

Repare que estas indefinições, acabam por cair no Paradoxo de Russell. Não havendo qualquer tipo de critério, estaríamos dizendo coisas tremendamente absurdas e contraditórias, logicamente. Sem critério, veja que a questão do problema não é ser "onibenevolente" o problema, mas qualquer definição é problemática (como visto no item 4).
Logo suas combinações (como qualquer outra) é problemática:

  • Um deus Onisciente também saberia como deixar de ser/agir onipotente;
  • Um deus Onipotente também teria poder para ser 100% bom e 100% mau ao mesmo tempo. Assim como poder para a mentira ser verdade - e, a verdade, mentira.
  • Um deus Onipotente também teria poder 'para criar algo' que nem mesmo sua Onisciencia saberia o que era.
Mais problemático ainda. Estas premissas absurdas, fracas e indefinidas buscam apenas dizer que "Deus daria um jeito para o mal não existir, se fosse realmente Deus" (repare que neste tipo de julgamento que é feito já se admite/impõe algum critério que veio 'do além, pois não se define' de que "daria um jeito".). Ou seja, admite algo contraditório se for tão vago assim.

Ao mesmo tempo, eles não percebem o quão 'moralista' é este próprio julgamento. Se NÃO houvesse este reconhecimento de que 'se reconhece o mal', nem mesmo existiria o paradoxo. Assim como se ninguém houvesse experimentado o amargo, mas tão somente o doce, tal jamais reclamaria que existe alimentos amargos para o confeiteiro. Logo, a pergunta mais primordial que deveriam fazer é: De onde vem o reconhecimento do mal? {Se pensar muito profundamente sobre isto, você terá provavelmente apenas duas opções: TEÍSMO ou ABOLIÇÃO DO HOMEM.} O que é o mal? {Repare pois que, se o mal não existe, logo, este paradoxo não existe, nem faz sentido. Pois, se o mal não existe, então não faz sentido dizer que Deus está sendo contraditório em sua onibenevolencia.}

Indo mais a fundo. Suponhamos que todos os problemas fundamentais deste Paradoxo sejam resolvidos. Precisamos responder a pergunta: Estas premissas se aplicam a como Deus se revela na Bíblia? 
E ao olhar para a Bíblia, vê-se que nela não está escrito (em nenhum lugar) as palavras "Onisciência", "Onipotência", tampouco, "Onibondade". Tantos versos para morrer no vazio. Como comparar este paradoxo com o Deus hebraico-judaico-cristão? Seria realmente possível? Talvez sim, se for a fim de mostrar as diferenças.


6. Conclusão

Por mais que este assunto pode se estender muito. Ao exercitar um pouco a razão, nos deparamos com os seguintes fatos:

  • Epicuro não nega que o Deus hebraico-judaico-cristão existe, tampouco que seu paradoxo o faz isto;
  • As premissas de Epicuro são diferentes das usadas pelos Ateus e anti-cristãos modernos que tentam usar tal paradoxo;
  • O Paradoxo de Epicuro só faz sentido dentro do conjunto de suas premissas do que significavam, possibilidades, condições, regras (contexto);
  • Não adianta querer comparar ideias má-definidas;
  • Se recorrermos ao "vale tudo", as próprias palavras 'onisciente', 'onipotente', 'onibenevolente' e 'mal' perdem seu sentido, e acabam por poder significar qualquer coisa, até mesmo a própria negação ou contradição. Neste caso, o paradoxo e o problema do mal são apenas 'uma frase vazia';
  • A única coisa que sustenta o 'Problema do Mal' e o Paradoxo é o reconhecimento ontológico e Universo do mal;
  • Se o homem não reconhece o mal (logo que o mal não-existe), então não existe paradoxo nem o problema do mal. Novamente, o paradoxo se torna 'uma frase vazia' e não há o que se avaliar.
Acredito que o leitor reconheça de que 'existe o mal', assim como eu reconheço de que certas coisas são más (como torturar uma criança, dentre infinitos outros exemplos que você conhece). Mesmo que talvez pense que é apenas algum tipo de 'instinto`[?] da Evolução. Neste caso, a única coisa sensata que realmente nos resta fazer [e que faz sentido] é verificar/entender:

  1. O que a Bíblia fala sobre a Onisciência (conhecimento/sabedoria) de Deus?
  2. O que a Bíblia fala sobre a Onipotência (poder) de Deus?
  3. O que a Bíblia fala sobre a Onibenevolencia (bondade) de Deus?
  4. O que a Bíblia fala sobre a Origem do Mal?
  5. O que a Bíblia fala sobre o Mal que há neste mundo?
  6. O que a Bíblia fala sobre o fim que Deus dará ao Mal?
E, assim sendo, avaliar o Deus hebreu-judaico-cristão dentro das próprias premissas do que Ele diz. Ao invés de tentar comparar coisas e ideias não equivalentes (que apenas carregam 'um mesmo nome/palavra' em comum). Seria como falar outro idioma se enganando com falsos cognatos. Te convido para investigarmos isto no link abaixo.

Veja também: A Bíblia & O Problema do Mal [em construção]
Enquanto não fica pronto, leia: Se Deus é bom, de onde vem o mal?

Abraços!