A didática do Simon, não é algo que acredito estar em alguma tese ou livro, é algo que nomeio para um dos melhores professores que tive no IME-USP, o José Carlos Simon. Recentemente, há poucos meses que fui refletir um pouco sobre isso, algo que antes não havia pensando (pois já faz uns anos que tive aula com ele).
Bem, o Simon em si, não sei se ele pensou ou tem um método, uma didática, aparentemente ele improvisa tudo. Era extremamente comum, ele ir totalmente desarmado de livros, folhas para a sala de aula, apenas com a sua cabeça; perguntava para os alunos o que tinham visto na última aula, para lembrar de algo. Não seguia um livro em si, não copiava teoremas, não copiava discursos de livros didáticos. A primeira vista podia parecer a coisa mais totalmente despreparada e perdida possível. E é aí que está a questão que me intrigou: "o professor estava na mesma condição dos alunos, totalmente despreparado para a aula".
Normalmente, um professor entra já preparado para a sala de aula, ele já sabe os conteúdos, já sabe o que vai dizer, o que vai explicar, os exercícios, como resolvê-los e tudo mais. Para o professor normalmente, a aula não é muito uma investigação, um desenvolvimento, um processo de conquista; mas apenas a exposição de um troféu já conquistado, no qual, no máximo, apenas se dá um 'replay'; logo para o professor, cada passagem do processo, lhe torna, de certo modo, óbvio e 'rápido'. Mas e para o aluno? Para o aluno é tudo novidade, e as vezes para uma passagem das mais óbvias, na mente do aluno, é preciso fazer diversas associações, pensar e eliminar 100 outras possibilidades falsas.
Já o Simon, lembro da disciplina de "Laboratório de Matemática" no IME-USP. Aula antes da prova, um aluno pede para o professor passar alguns exercícios, para treinar para a prova. O professor, inventa na hora, alguns, de cabeça. No dia da prova, ninguém conseguiu resolver nenhum dos exercícios, e antes da prova, pedem para o professor resolver um dos exercícios da prova. Ele de boa vontade, foi fazer, imaginando que levariam poucos minutos. Ele pediu para alguem falar o enunciado, e ai ele começou a pensar, fazer uns rabiscos na lousa. Nesse momento, tivemos uma aula, aprendemos, vimos um conceituado matemático, como que ele 'começava a resolver, rabiscar, rascunhar' um problema, ele ia pensando, escrevia algumas letras, uns xzes e numeros, e apagava em seguida, falava coisas do tipo "haaammm", "se for ver isso..", "olha isso"... ele foi compartilhando conosco cada 'luz' que lhe vinha em mente em como resolver o problema. E a coisa foi indo, acabou a aula, e nada de prova. Na aula seguinte, a mesma coisa. Todavia, o problema envolveu muito ele e os alunos. Ele perguntava se alunos tinha alguma ideia, sugestão, pedia para algum aluno aletorialmente o que achava... a sala ocorreu como um laboratório, no qual nem os alunos, nem os professores sabiam resolver o problema, mas se uniram para desvendar o mistério.
Mais uma aula terminou, e na aula seguinte então, o professor trouxe finalmente uma solução, pois ficou pensando no fim de semana até resolver a questão. E aí, ele não 'expos' a solução para nós, não apenas escreveu as passagens e explicou. Ele não levou um papel anotado, e era uma solução que rendera umas 5 páginas no caderno. Ele partiu novamente do principio, olhando para a figura, foi novamente, mas agora investigando os problemas, tendo as idéias (como se fosse tudo novidade), mas então, um detalhe aqui ou ali, e lembrava do rumo da solução que teve, e então compartilhava conosco "como ele teve aquela 'luz', 'idéia mágica', de como sair daquele labirinto". De certo modo, o problema, o conteúdo matemático ali foi o de menos, o que mais pudemos aprender com o professor, foi como botar o cérebro para pensar; o conteúdo em si se tornou totalmente secundário. E depois desse exercício, ele já passou para algumas outras questões um tanto dificeis, como sobre Raizes de Números Complexos (a demonstração), Indução, e sempre do mesmo modo.
O ritmo ira inevitavelmente muito devagar, comparado ao que normalmente ocorre em qualquer aula. Mas o professor, sempre parava, perguntava se estávamos entendendo, e se alguém demonstrasse algum sinal de 'não', ele repetia, tentava explicar de outros modos, pensava em como tentar fazer de outro modo; mas ia indo até que todos 'capitassem'. E no fim, uma prova muito difícil, porém, todos com a cabeça 'sabendo trabalhar'. E conseguiu se resolver, de modo, que o maior problema, desafio da prova, foi o 'tempo', pois eram muitos exercícios, logo não deu para fazer todos. Pois tinha que se pensar muito em cada um.
Foi umas das melhores experiências que tive na USP, que desenvolveu uma sólida base de como 'brincar de investigar', 'como usar o pensamento matemático', 'de como tentar triturar um problema, revirá-lo de ponta cabeça, e tentar encaixar as peças de diversos modos para chegar em alguma conclusão ou resultado". Os conteúdos não se tornarão 'o fim', mas 'ferramentas', ou 'peças' a se manipular, brincar; a matemática não era mais teoremas, regras e álgebra, mas uma forma de pensar, de criar e encontrar lógicas, de ser um artista do abstrato em sua própria mente.
Claro, nos moldes da Educação de hoje, no qual há um CURTO PERÍODO de tempo, em geral, os professores, querem mostrar logo o 'carro construído', e passar rapidamente, como se fosse apenas uma leitura, de todos os livros técnicos, de como foi feito cada parte e peça do carro, e suas especificações; e assim, tudo pensando na otimização do tempo, ainda mais quando se pensa no Vestibular, 3 5 minutos para resolver uma questão; ou seja, é preciso não fazer o aluno pensar em si, mas o exercitar tanto com 'especificas ferramentas', a tornar seu uso quase que involuntário, como um extinto, pois só assim, para conseguir resolver tão rápido. Coisas do tipo, ver num exercício um circulo, e intuitivamente, já ir escrevendo na folha, a formula da area, antes mesmo de terminar de ler e enunciado.
Como seria um possível um ensino ao molde Simon? Pois tal exigiria muito tempo - muito. Todavia, por outro lado, talvez exigisse menos 'treino' (tornar instintivo) da parte dos alunos. Aliás, será que os professores estão 'capacitados' e 'preparados' para entrar numa sala de aula e ensinar um conteúdo, ou resolver um problema, sem ter se preparado/ensaiado antes? Ou seja, será que os professores estão capacitados para fazer da aula, uma sessão de compartilhação de processos criativos? Os professores estão capacitados para resolver os 'problemas pedagógicos' em sala de aula, para os quais 'não tem como ensaiar' e será preciso recorrer a criatividade? Bem, talvez seja aí que resida a diferença do professor comum para com aquele que é um artista em lecionar.
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