"Os filósofos são inúteis porque a humanidade não quer servir-se deles."
Platão, em A República
Modo estranho de começar uma mensagem de Natal. Mas é algo que acontece e que precisamos reconhecer. Sim, reconhecer, caso um dia quisermos realmente obter algum tipo de crescimento genuíno. Sócrates estava sendo questionado, quando começava a defender a virtude e o papel do sábio, do filósofo, quando foi questionado: "Mas ninguém quer saber de vocês. São vistos como estranhos, além de muitos serem acusados de caluniadores."
E então Sócrates, mostra na verdade que o que acontece, é uma insubordinação. As pessoas na verdade não querem servir-se dos sábios, dos filósofos, querem governar, ao invés de ser governadas, mesmo quando elas não têm razão, nem capacidade. É como se você ganhasse uma grande fortuna mas não soubesse como administrá-la de forma que fosse bom para você, para a comunidade, para a família, para a economia, e para a prosperidade no futuro, mas há quem sabe; e você poderia deixar todo o dinheiro com tal para fazê-lo então o que fosse mas justo; mas não, prefere cuidar você mesmo do seu dinheiro e gastá-lo como achar melhor.
Bem, de certo modo, é exatamente o que acontece nos dias de hoje com o cristianismo, se formos assim pensar. A questão em geral não é se a religião é boa ou má, ou quanto as boas verdades das Escrituras Sagradas, ou os ensinamentos de Jesus, e tudo mais. O problema está em as pessoas – inclusive eu, muitas vezes – não quererem servi-los. Pensamos: esta vida é minha, este corpo é meu, esta mente é minha, estes olhos são meus, este tempo é meu; logo, faço com eles o que quiser.
Convenhamos, isto funciona razoavelmente em tempos de paz e prosperidade. Como um rico país, em que o Governo faz verdadeiros desperdícios de recursos públicos, e muitos erros, mas com a nação em plena prosperidade, por mais que cometa erros, no fim, tudo dá certo, tudo vai bem, a dinheiro de sobra para queimar. Ou mesmo uma pessoa jovem, que em sua juventude, na plenitude do vigor físico, encara diversas coisas destrutivas para a saúde, e mesmo assim, o vigor continua. Como repreendeu Jesus:
“Mas ai de vós, ricos! porque já tendes a vossa consolação.”
Mateus 6:24
O problema, como já advertia o filósofo é quando a casa cai. Quando a cidade entra em caos pelos erros e negligencias do governante tolo, quando a pobreza começa a assolar a população, quando faltam recursos básicos, quando ocorrem ameaças de guerra e seu exército está despreparado, quando todos os seus súditos (que não querem servi-lo, mas são obrigados) começam a ver uma oportunidade de destroná-lo, ou mesmo acabar com sua vida. Quando realmente a ilusão se desfaz, e nos vemos na real, olhamos para as nossas mãos e nada temos, e então, podemos ver um ao outro como semelhantes filhos de Deus. E é quando costumamos então a recorrer a tais, inclusive a Deus, a religião.
A vida incerta é, não sabemos o futuro, e o nosso passado já é o suficiente para nos mostrar quantas surpresas de mudanças repentinas e inesperadas ocorrem sem que sejamos consultados, tampouco preparados. Isso nos ensina que não devemos ter orgulho e nos vangloriar de nossa fortuna, de nosso emprego, diploma, nossa casa, e tudo mais; tudo pode se desfazer da noite pro dia, ou do dia para noite; Nem tampouco olhar com arrogância para os menos afortunados. Os quais, de certa forma, são melhores do que ‘os que têm’, pois são menos desapegados e mais independentes das muitas coisas que temos.
O que você sentiria, pensaria, faria, se um dia, ao andar pelas ruas da cidade, ao se deparar com um morador de rua, fédido, esfarrapado, faminto, numa noite muito fria, e este ao observar que você está com frio, lhe oferece o único manto que tem para você? Não esqueço das palavras de meu querido professor e amigo Paulo Paccheco, que certa vez na aula de psicologia, falou da amiga italiana [vou chamá-la de ‘Ana’] dele que trabalhava de voluntária num campo de refugiados (se não me engano) na África, num lugar totalmente miserável, a a mais miserável da miséria da miséria máster que se possa imaginar; pessoas sem nada, sem comida, sem água; dependia totalmente da ajuda dos grupos humanitários e missões evangelísticas, para sobreviver mais alguns anos sofridos. Bem, contou que certa vez, um grupo dessas mulheres que caminhavam dezenas de quilômetros todos os dias para uma pedreira onde quebravam na força bruta (marretada) toneladas de pedras (tipo, produziam essas pedrinhas que usamos na construção civil – agora você sabe porque compramos tão barato), e ganhavam praticamente nada, algo equivalente a 1 centavo por tonelada de pedra quebrada, vamos assim dizer. E aí, naquele ano em que houve um terremoto na Itália e tals, elas ficaram sabendo do ocorrido, foram até a Ana, pois gostavam muito dela, e pegaram todas suas economias de 1 mês inteiro, o cofrinho delas, o que deu um total, vamos supor de 30 centavos (ou seja, absolutamente nada para nós, mas para elas tudo, o trabalho de 30t de pedras quebradas) e insistiu para que a Ana enviasse este dinheiro para ajudar ‘sua tribo’ (os italianos).
Quando observei as imagens da catástrofe, o que via eram belas ruas, belas calçadas, belas casas, belos carros de luxo destruídos, casas muito bem mobiliadas, com laptops, fogões, até iPhone, guarda-roupa com roupas suficiente para cada dia do mês. Pessoas com recursos, cidades bem equipadas e preparadas. Muitos ali, tudo segurado, pessoas que tinham serviços médicos de primeira a disposição, comida do bom e do melhor, tanto, que até desperdiçavam, além de água em abundância com qual podiam se refrescar com sua piscina no quintal. E ali na África, aquelas mulheres, que mal tinham apenas uns remendos de roupas sujas (que provavelmente foram doadas), rasgadas, descalças, desnutridas, desidratadas, sem nada! E elas, ofereceram tudo o que tinham, 30 centavos, não dava para comprar nem 4 bananas!
Ana recusou. Não podia aceitar. Seu coração não permitiu. Pensou ela: “A Itália não precisava do dinheiro dela. Elas lutaram com tanto suor por aquilo, e já não tinham nada, tinham que usar algo para si, para uma fruta para comer talvez.” Mas elas insistiram para Ana. E disse, que “se o povo da Ana está passando necessidade, então nosso povo ajuda”, “Seu povo, meu povo.” Quando Ana ouviu isso, não se conteve, e desabou num longo e profundo choro. Ana viu o quão miserável ela realmente era, e o tão afortunado aquelas pobres mulheres eram. E não adiantou insistir. Ela teve que aceitar. Mas ao invés de enviar o dinheiro para a Itália, comprou coisas para elas. E isto gerou um documentários francês.
- Que lição!
A grande lição que Jesus nos deixou é o motivo, a razão de se viver, o que realmente vale, o que dá valor e sentido a vida; e é a forma que mais nos rende bem-estar, realização e gratidão que é SERVIR ao próximo. Sabemos que nossa mãe e nosso pai nos amam, porque vemos o tanto que eles vivem em função de nos servir, se sacrificam por nós. Amamos nosso parceiro(a) pois também vemos o quanto tal se sacrifica por nós; e cada vez, que servimos ele(a), estamos alimentando o amor, em cada pequeno ato, dos mais simples gestos ao maior sacrifício. A humildade é tão grande, que muitas vezes, a benevolência do próximo nos faz até chorar. Como disse uma pastor uma vez:
“Por que a humildade é tão grande?”
Por favor, não confunda o Natal como o dia do papai Noel, o dia dos presentes, ou de andar no shopping, o dia de consumir, o dia de grandes banquetes, o dia de acabar com seu fígado e saúde, o dia de festas, e da família reunido. Tudo isso é possível fazer sem amor, sem carinho, sem humildade, sem um ímpeto de servir o próximo. E assim, toda a magia se perde. Além disso, há muitas pessoas sem família, há muitas pessoas que não ganharão nenhum presente, pessoas, que passarão fome e sede, que ao invés de festa, apenas uma peregrinação pelas ruas e sarjetas da vida, ou num barraco numa área de risco, ansiosos e atentos ao tempo para que não caia um típico temporal de verão.
Noel foi um monge cristão que ficou conhecido por distribuir simples presentes (maioria brinquedos) para crianças órfãs e carentes. Não façamos dessa homenagem a este ato de benevolência, caridade, como um ato de luxo e coração da vaidade, como em geral as pessoas nos dias de hoje normalmente fazem neste dia.
Sei que nessas horas, principalmente quando não temos muita folga na conta bancária, é difícil, às vezes duro, querer servir ao próximo, ser um servo de pessoas que nem mesmo temos algum afeto, não conhecemos. Mas quando damos o primeiro passo, quando agimos, quando a ação ocorre, uma magia transforma nosso coração, e este é humanizado, de modo que o amor brota espontaneamente. Pois demos algo de si, mesmo um sacrifício forçado, para o próximo; isso faz com que o valorizemos. O amor surge e vai crescendo na medida em que nos desfazemos de nosso egoísmo.
Hoje as pessoas estão cada vez mais desafetuadas. Culpa da Internet talvez. É tudo tão fácil. Fácil ligar, fácil conectar, fácil enviar mensagens, do mesmo modo, fácil sair, sair sem mesmo despedir. Não há olho no olho. Não há sacrifício da sua parte. São tantos os contatos, 100, 300, 500, 1000, no face, no msn, no Orkut, email... que as pessoas quase se tornam descartáveis, se sai um há mais 10 para conversar. Se perde uma pessoa, bem, “o mar está cheio de peixe” – frases desse tipo, já são até ensinadas como um provérbio da virtude. A que ponto chegamos!?
Por isso apelo a cada alma que até aqui leu estas palavras, que encare como meta para este dia, e para o próximo ano, servir. Sirva o próximo. Sirva seus pais. Sirva sua família. Sirva seus amigos. Sua namorada, seu noivo, marido. Sirva ao seu vizinho, mesmo ao desconhecido. Agradeça ao motorista do ônibus por seu trabalho, ao gari por manter suas ruas limpas (sim a cidade é sua). Agradeça ao fazendeiro que produziu seu alimento. Sirva como se fosse a única e última coisa que lhe restasse a fazer na vida, a cada dia, e será a mais livre e realizada das pessoas.
Há um provérbio chinês que diz: “Cave um profundo poço de generosidade, e ele se encherá de amigos, retribuições, agradecimentos, reconhecimento, realizações, ajuda e solidariedade quando os dias ruins vierem, e nunca lhe faltará alimento.”
E por fim, esta era a grande lição que Jesus quis nos deixar:
“Ame teu próximo como a si mesmo.”
Ou seja, “faça pelo teu próximo, como faria para si.”
Esta é a única frase com que o Natal e a vida tenham algum sentido.
Um feliz natal para você e sua família.
E que a paz de Deus que excede todo entendimento possa ser derramado em abundância na seu dia-dia.
1 comentários:
Ótimo texto!
Postar um comentário