07 julho 2016

Falácia, O Que É?

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"Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios." - Isaías 6:5

Quem nunca ouviu alguém com a sensação de "Este cara está me enrolando."? Os enganos e equívocos (sem querer) ocorrem por diversas vezes em nossas vidas. Seja como ouvintes, seja como falantes (espero que sem querer). Por vezes, algumas são facílimas de identificar, já outras, só muitos anos depois notamos que "Não acredito! Fui enganado.".

A Arte da Falácia é geralmente atribuída a Escola dos Sofistas. Uma das escolas na Grécia Antiga que, em sua base ideológica, tinha que "a verdade não é verdade", "a verdade é o que se faz ser verdade". Ou seja, brincando com as palavras e abusando da simplicidade: "Verdade é o que você faz o outro acreditar que seja verdade." Enfim, o resultado disso é que os sofistas não tinham o menor compromisso em apurar, identificar, analisar, tampouco ensinar a verdade. O interesse dos sofistas era o de fazer as pessoas acreditar que HUÃRVYS é verdade. Seja lá o que for HUÃRVYS. O que importa é que os outros acreditem que o HUÃRVYS que o locutor falou é a verdade e é o que devem fazer. Logo, os Sofistas vendiam a habilidade de convencer as pessoas.

Os Sofistas desenvolveram zilhões de métodos de discurso, artimanhas, sutilidades, para que o locutor consiga VENCER. Na prática, significava fazer a maioria votar nele nas terríveis discussões no Senado Grego, palco da vida política da elite grega.

Os métodos não tinham escrúpulos, limites, tampouco moral. Havia a artimanha de inventar mentiras, provocar o adversário a fim dele agir mais emotivo (+suscetível à erros e descontrole), levar a plateia a ficar contra e até mesmo rir de piadas contra o adversário; até mesmo fazer um longo discurso aparentemente coerente com uma conclusão óbvia, porém com premissas totalmente absurdas e falsas que nem mesmo foram citadas.

E como recheio de tudo isso: Os Sofistas desenvolveram uma fantástica Arte da Eloquência. Para serem faladores, oradores fantásticos, com facilidade para cativar a simpatia e, assim, derrubar as 'defesas' e o 'desconfiômetro' dos ouvintes; torná-los suscetíveis. Arte cuja tem sido estudada ainda hoje - sobretudo por políticos e advogados em todo mundo (além de muitos oradores diversos: palestrantes, pastores, professores, publicitários etc.)

Vejamos alguns exemplos comuns:

1. Apelos Emotivos
Neste tipo de sofisma, o locutor apela às emoções do ouvinte, fazendo-o tomar decisões baseadas não na verdade do que lhe foi tido, mas nestas emoções inflamadas. Exemplo:

"Você tem que ser uma boa pessoa, senão vai sofrer pra dedel no inferno."

Veja que a consequência B ["vai sofrer pra dedel no inferno"] não justifica, tampouco prova, - não implica - que a premissa A: "Você tem que ser uma boa pessoa" é verdadeira.

"Você tem que beber mais água, senão vai desmaiar de dor no dia que urinar uma pedra."

Talvez o leitor pergunte: "Mas isto é verdade. Qual o problema?"
Reforço que o sofista não está nem aí com a verdade. Ele pode tanto estar dizendo uma verdade, quanto não estar dizendo uma verdade. (apesar da sentença ser 'contingente'). O que importa aqui é a 'técnica' usada. Veja que há um apelo ao MEDO do ouvinte. Ou seja, para ele 'acreditar em A ou B, simplesmente pelo medo da consequência de não acreditar em A ou B. Sendo que, o sofista não tem compromisso com a verdade, ele não importa se a consequência é verdadeira ou falsa (tampouco está interessado no bem do ouvinte). Pois, uma pessoa compromissada com a verdade, a priori, escolheria morrer se fosse preciso pela verdade.

Há apelos emocionais dos mais diversos tipos. Até mesmo ao medo de que 'algo ruim que ocorreu no passado, volte a ocorrer no futuro': "Se o flano voltar a governar, vai voltar ao caos que era antes". Ou, apelos à misericórdia, e coisas do tipo: "Podemos roubar, contanto que seja para alimentar às crianças. Senão elas passarão fome!"

2. Apelos a Ideia de que o Mais Novo é Melhor

"O Cristianismo é uma ideologia/religião ultrapassada. Sartre, Panteísmo, Ateísmo Científico são muito melhores pois são recentes."

Contudo veja que, se B ≠ A e B ser mais novo do que A, isto não implica que B = Verdade e que A = Falso.

3. Apelos a Ignorância

"Ninguém conseguiu provar que Deus não existe, portanto Deus existe."
"Ninguém conseguiu provar que Deus existe, portanto Deus não existe."

A ignorância não prova nada, apenas a própria ignorância. Mas repare que isto é uma problemática muito forte em termos jurídicos, pois: "Ninguém consegue provar que João é criminoso." não implica que João é um criminoso, tampouco que João não é um criminoso.

Quando pensamos melhor sobre, veremos que uma BASE MORAL é necessária para elaborar regras complementares,  um conjunto de premissas primordiais para conseguir distinguir quando uma sentença X é FALSA ou VERDADEIRA. E, sobretudo, que ação/decisão tomar quando não é possível identificar se o conjunto X é VERDADEIRO ou FALSO. Isto é, para um país, teremos a regra que: "Todos são culpados até que se prove o contrário." ou "Ninguém é culpado até que se prove sua culpa." No primeiro caso, o culpado tem o dever de provar que é inocente. Enquanto que, no segundo caso, o acusador tem que provar que o acusado é culpado. E, assim, por estes e outros mecanismos, é possível tanto que um sistema jurídico tenha um "excesso de impunidade" quanto "punições em excesso". Deste modo, é necessário 'complementos' para se evitar os abusos e erros absurdos.

4. Farinha do Mesmo Saco

Exemplo: "Islamismo, Cristianismo, é tudo igual. Essas religiões são todas iguais porque todas tem fé/acreditam em algum tipo de deus."

Será que o Islamismo é igual ao Cristianismo?
Matematicamente é muito fácil de se observar esta falácia pura de generalizar coisas distintas que possuem algo em comum.
[Islamismo] é um conjunto L de vários elementos (x1, x2, x3, ..., fé em Deus, ..., xn).
[Cristianismo] é um conjunto M de vários elementos (y1, y2, y3, ..., fé em Deus, ..., yk).

Para L = M implica 2 coisas (serem iguais):
  1. Todos os elementos de L são elementos de M;
  2. Todos os elementos de M são elementos de L.
Como o leitor deduz, dois conjuntos terem um elemento em comum não garante que os conjuntos sejam iguais.
Isto de fato é muito parecido com o Silogismo (uma dedução feita a partir de duas premissas em que uma 'menor' do que a outra). Por exemplo:

Premissa maior: O homem é mortal.
Premissa menor: Evandro é homem.
Dedução: Evandro é mortal.

Neste silogismo acima, a lógica é melhor aplicada. Pois, o [Evandro] é um subconjunto do conjunto [homem]. Ou seja, todos os elementos de [Evandro] pertencem ao conjunto [homem]. Logo, se [homem] é mortal, então o [Evandro] também é. Já no primeiro caso, [Islamismo] e [Cristianismo] são conjuntos diferentes, um não é subconjunto do outro; podem, no máximo, ter alguns elementos em comum. Mas é equivocado dizer que o conjunto [Islamismo] e o conjunto [Cristianismo] são iguais, assim como [Homem] e [Evandro] são mortais.

Com mais rigor ainda, verificaríamos que o silogismo de que "se o conjunto [Homem] é mortal implica que [Evandro] também é mortal" também é equivocado, a priori. Precisaria de mais definições que foram ocultadas.

Pois se o Conjunto K = (k1, k2, k3) é Mortal - isto é, k1 unido a k2, unido a k3 - isto não implica, a priori, de que seus elementos k1, k2 e k3 são mortais isoladamente. Foi ocultado a informação de que K fosse formado pelos elementos que são mortais, ou que, K é mortal se somente se conter k1, k2 e k3 unidos. Exemplo: "A lâmpada energizada com corrente contínua ilumina a casa, logo, a lâmpada ilumina a casa."



A Problemática da Comunicação
A fundo, o Mundo das Falácias evidencia que, basicamente, toda comunicação humana é RECHEADA de falácias. Há muita 'interpretação' e 'elementos ocultos' em cada sentença que fazemos. Como podemos garantir que cada sentença é 100% VERDADEIRA em cada uma de suas relações, informações, premissas e conclusões?

A resposta é inquietantemente simples: Não sabemos. A comunicação em si é um milagre. (Sim, esta afirmação também é falaciosa). O cérebro humano é fantástico em buscar, analisar e encontrar indicativos de que "faz sentido", "ela está enganada", "ela está tentando me enrolar", "Waw! Nunca tinha pensado nisso antes. É pura verdade!", "Não é o que queria ouvir, mas é a pura verdade."

A comunicação comum usada entre as pessoas no dia-dia é absurdamente recheada de buracos vazios, de informações incompletas, de zilhões de premissas que temos consciência e, por vezes, aquelas que não. Quando então precisamos escrever um documento mais sério e que deve dar menos margem para equívocos, buscamos rodeá-lo de incertezas menores. Isto é: buscamos usar premissas melhores elaboradas e indicadas, um linguajar mais técnico com palavras delicadamente escolhidas e inseridas. Mas, ainda assim, a comunicação é recheada de falácias. Até mesmo na Matemática, qual afirmo: "É a linguagem MAIS ROBUSTA criada pelo homem para tentar se expressar.". Também contém muitas falácias, além de sua precisão e robustez a tornar pouco flexível para lhe permitir expressar muitas coisas que são melhores expressas (não para um robot) em outras linguagens.

Muitos ficariam impressionados com esta afirmação (também falaciosa) e diriam:  "Ham! Como assim?" Bem, os matemáticos chegaram a conclusão que precisavam de PREMISSAS e BASES mais fortes, profundas. Isto pode ser melhor estudado em Teoria dos Conjuntos. Na Matemática foi necessário definir absolutamente TUDO que se é usado, cada sinal, cada letra, cada flechinha, cada ordem de letras, números, palavras. TUDO que você pode imaginar (e não imaginar) teve que ser rigorosamente definido, provado e demonstrado. Mas, ainda assim, os Matemáticos chegaram a problemática que, em suas bases mais primordiais e elementares, há  Axiomas e algumas Definições Arbitrárias. Tais são essenciais! Elementares. Toda Matemática é construída a partir de tais, que, assim como não se pode provar a existência de Deus, também não se pode provar estas.

Além disso, por vezes, a Matemática usa do chamado "Método do Absurdo" para provar e demonstrar muitas coisas. Por exemplo: Como provar que os números irracionais não são racionais? Bem, provando que se fossem racionais dariam num absurdo, portanto, LOGO implica que não são racionais. Por mais que seja considerada como tabu para a maioria dos matemáticos em todo mundo. Muitos questionam este método, sobretudo em suas premissas e possíveis extrapolações. Alguns matemáticos mais idealistas exigem que toda prova/demonstração tem que ser feita de forma 'Construtiva' - a partir de uma premissa mais elementar, se consegue chegar nesta 'nova verdade' (como descoberta). O que é extremamente difícil em muitos casos, o que deixa os matemáticos sem nem mesmo saber por onde começar. Alguns acreditam que há muitas coisas que não se pode provar sem que seja pelo "Absurdo".

Aahhhh a Estatística, ela deixa tudo isto ainda mais interessante. Mas, bem ..., outro dia.

O Ceticismo Ocidental

Por mais cuidadoso (e matemático) que possa ser nosso argumento e nossa intenção de falar a verdade, a falácia está presente. Até mesmo a Ciência é feita com e construída sobre falácias. Isto não quer dizer necessariamente que são enganos e mentiras. Mas que há premissas e deduções/conclusões em que ocorre 'saltos' de significados e implicações que não conseguimos provar inteiramente, mas que buscamos ser cada vez mais 'criteriosos' a fim de minimizar o erro.

A Confiança e Desconfiança foi uma das coisas que mais caracterizaram a cultura, pensamento, ideologias e religiões n História. No Oriente antigo, apesar da falácia também estar presente; muitas culturas prezavam muito pela 'palavra de confiança'. A credibilidade, confiança das palavras era essencial (assim como é hoje). Porém, no passado, ser tachado de mentiroso, enganador, 'falacioso' era muito mais terrível e não aceito socialmente (e legalmente) do que nos dias de hoje (sobretudo no Brasil). Por mais que o critério poderia ser menor, assim sendo, com argumentos com lacunas maiores, até mesmo com algumas incoerências lógicas, geralmente eram limitações da pessoa que tinha o intuito de não enganar, mas falar a verdade.

Os gregos super inflaram o desconfiar (ceticismo). É intrigante pensar, mas o mundo pós-socrático é um mundo construído sobre a desconfiança, o ceticismo, na desconfiança, na não crença naquilo que o outro está falando até que se prove o contrário. Há um ciclo vicioso nisso. Pois quando mais há uma tendência a desconfiar, mais é necessário haver esta desconfiança para não ser enganado de fato. Porém, num mundo, sociedade, baseado na confiança, gera-se um ciclo virtuoso.

Deixarei mais detalhes sobre isso para uma outra oportunidade.
Pense um pouco sobre as implicações disso e sobre o próprio comportamento e palavras.

Um abraço.

"Todos tropeçamos de muitas maneiras. Se alguém não tropeça no falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo. (...) Assim também, a língua é um fogo; é um mundo de iniqüidade. Colocada entre os membros do nosso corpo, contamina a pessoa por inteiro, incendeia todo o curso de sua vida, sendo ela mesma incendiada pelo inferno."
(Tiago 3:2-6)