Nos últimos tempos, o assunto teológico que mais tenho estudado é sobre dízimo e ofertas. Logo percebi que os estudos e argumentos geralmente usados para com tais eram sempre os mesmos e muito superficiais, geralmente, cheio de lacrações, sentenças e afirmações que extrapolavam algumas alusões e relações. Decidi ir para o início. E comecei a estudar do zero, de Gênesis 1. Fazendo um mapeamento verso a verso sobre o assunto e temas correlacionados.
Outra fonte de estudar mais o assunto foi ver diversos sermões e estudos, não apenas me preendendo aos teólogos adventistas do sétimo dia, mas de outras denominações religiosas, para conhecer a visão deles, seus argumentos e como os textos são relacionados. Foi dentro deste contexto que conheci um pouco da doutrina da Igreja Presbiteriana, Batista e Congregação Cristã do Brasil, assim como algumas pessoas particulares.
Nesta busca encontrei, inclusive, contradições em declarações de um mesmo pastor adventista (não vou expor aqui - não é o objetivo queimar ninguém). Em um deles, afirma categoricamente de que a pessoa que deu seu dízimo e ofertas já cumpriu sua parte perante Deus e não tem parte ou responsabilidade alguma em como os outros irão administrar tais recursos, que eles responderão. E, no outro vídeo, diz que quem dá o dízimo e ofertas tem parte sim, é responsável, pois se ele sabe que está sendo mal utilizado ou não enviado para o devido fim, então ele é um cúmplice em permitir e fomentar tal situação e não fazer nada.
Outro ponto que foi muito tenso, para mim, foi ouvir ao vivo, na minha frente, diversos líderes fazer muito apelo para as pessoas fazerem um 'pacto' de ofertas, com MUITAS sugestões, como uma meta, de que o pacto fosse de 10% e, até mesmo, quem dizia, no minimo ser 3%. E, ao mesmo tempo, fazendo muitos 'malabarismos' teológicos com o intuito de fazer com que os membros aumentassem tais contribuições.
Bem, nesta busca e estudos, encontrei muita coisa. Diversos materiais e textos, inclusive alguns preciosos textos de Ellen G. White que geralmente não são exibidos ou tornados ao publico/membros nessas oportunidades em que se trata sobre este tema. Por que não? A impressão que especulo é de que não convém. São, principalmente textos no tocante aos dízimos, ofertas e destinação de tais. Aqui, vamos deter, brevemente sobre O VALOR FINANCEIRO do dízimo.
Quanto dar de dízimo?
"Ofertas voluntárias e o dízimo constituem a receita do evangelho. Dos meios confiados ao homem, Deus reivindica determina porção - o dízimo; mas Ele deixa todos livres para dizerem quanto seja o dízimo, e se querem ou não dar mais que isso. Devem dar segundo propõem no coração." (Testemunhos para a Igreja, v. 5, cap. 13 p. 149)
Em algumas versões mais antigas diz "Dos recursos confiados ao homem, Deus reivindica determinada porção."
Na versão em inglês:
"Voluntary offerings and the tithe constitute the revenue of the gospel. Of the means which is entrusted to man, God claims a certain portion - a tithe; but He leaves all free to say how much the tithe is, and whether or not they will give a more than this." (Testimonies for the Church, vol. 5, p. 149)
É importante destacar que no contexto do capítulo, Ellen White está abordando a ideia da aplicação de Malaquias 3 para os nossos tempos (algo que a Igreja Adventista rejeitava no início e que algumas denominações também rejeitam, colocando que o texto se refere mais aos sacerdotes do templo que roubavam no dízimos e ofertas por negligenciarem a assistência ao pobre e estrangeiro. Ou seja, o texto é um apelo para os membros serem mais doadoras, reconhecerem a importância delas tomarem parte no avanço do evangelho com seus próprios recursos, todavia, sem contudo, 'inflar' ideias sobre o dízimo, pelo contrário. Note que este texto do Testemunhos para a Igreja foi escrito em 1881, cinco anos DEPOIS (1876) que a IASD adotou, formalmente, a ideia de que o dízimo é sobre toda a renda. Ou seja, EGW flexibilizou de maneira a tornar semelhante ao conselho de Paulo, "segundo propõem no coração". Dando a entender que, no Novo Testamento, na Igreja Apostólica, Paulo tinha uma ideia de contribuição em que mescla o princípio dos dízimos e ofertas, tornando tal contribuição flexível e de livre valor.
Este ponto é muito importante. Pois pouco se tem discutido sobre o dízimo. Na verdade, [arece um tabu que não se pode questionar um 'a'. Pois o dízimo em si, significa 10%. Ou, a décima parte, ou um décimo. Porém, 10% de qual valor? A grande maioria dos teólogos são categóricos em afirmar que o respaldo bíblico aponta que é sobre toda a renda. Mas nisto entra um grande problema, pois isto não resolve; antes, é necessário definir o que é renda. E esta pergunta não é simples - os economistas e contadores que o digam. No mundo financeiro e da contabilidade há diversas métricas e padrões de como definir o que é uma renda. Por exemplo, como definir a renda de um país? O modelo mais utilizado hoje é o seu PRODUTO, como sendo a soma entre tudo o que as famílias consumiram, os gastos do governo, os investimentos e o saldo da balança comercial. Note que é mais uma 'métrica' de renda; e não um expressão matemática platônica de um tipo de 'renda pura e perfeitamente teorizada , definida e aferida'.
O discurso adotado pela IASD o é de maximizar a arrecadação/doação. Neste sentido, se diz que é sobre toda a renda e receita que receber. Mas quando se adentra em pontos mais específicos, começa a surgir lambança. Pois, quando se diz toda a receita, surgem evidentes problemáticas. Alguns exemplos muito simples:
- A pessoa X recebe R$ 1000,00 da pessoa Y com o objetivo de pagar a pessoa W daqui 6 meses. Ela deve dar o dízimo sobre estes 1000 que recebeu? A resposta mais intuitiva quando se pensa num cenário de 'intermediação' é de 'não. não dar o dízimo'. Todavia, houve a receita e isto afeta suas finanças. Pois esta pessoa, ao invés de deixar o dinheiro escondido em uma caixa, ela deposita em sua conta bancária; diminuindo o risco de ser roubada, assim como rendendo juros. Todavia, note que, o fato de ter feito tal deposito, seus indicadores financeiros tornam-se mais positivos frente a instituição financeira, podendo resultar em bons benefícios. Pois contas que movimentam grandes somas de dinheiro, mesmo que, com saldo próximo de zero, no final, são bem-vindas aos olhos dos intermediadores.
- No exemplo acima, a receita do juros deve ser dizimada? Pois, uma parte dos juros pode ser meramente para cobrir a inflação, ou quase todo o juros. Por exemplo, por muito tempo, a poupança rendeu menos do que a inflação no Brasil nos últimos anos. Ou seja, seu dinheiro desvalorizou, ela perdeu dinheiro. Deveria dizimar deste rendimento mesmo assim? E no final, ao repassar o dinheiro para a pessoa W, o juros pode ter, simplesmente, coberto o custo de intermediação ou de taxas bancárias da movimentação. De modo que, dando o dízimo sobre os R$ 1000 e/ou sobre o juros, ela pode ficar com saldo negativo no final das contas.
- Bruno recebe uma fazenda de herança do seu avô. O valor da fazenda é estimado em R$ 75.000.000,00. Bruno é uma pessoa simples com patrimônio total de R$ 100.000,00 e renda anual de R$ 50.000,00. Bruno teria que dar o dízimo da fazenda? Isto é, R$ 7.500.000,00? Se sim, como? Fazendo um empréstimo? Uma dívida? Vendendo parte da fazenda? Vendendo a fazenda? (note que imóvel como fazenda é ilíquido, se quiser fazer isto em pouco tempo, talvez tenha que desvalorizar 20% o imóvel, perdendo assim R$ 15milhões).
Há diversos exemplos. No livro Perguntas Sobre o Dízimo, de Roberto R. Roncarolo, de 1984, há diversas determinações/instruções arbitrárias, algumas absurdas. O mais interessante é notar nuances do contexto econômico do Brasil quando o livro foi produzido. O livro dá uma atenção especial para a inflação. O que faz todo o sentido. Não por questões teológicas, mas por mera finanças, buscando maximizar a receita, buscando preservar o poder de compra. Pois o Brasil vivia um grave cenário de hiperinflação que só foi acabar com o Plano Real, 10 anos depois, em 1994. Roncarolo diz que o crente tem que corrigir o valor do seu dízimo pela inflação. Mas como? Pois inflação positiva significa perda de poder aquisitivo, o crente, está com menos dinheiro, mais desvalorizado. Como que ele poderia corrigir o valor do seu dízimo? A maioria das pessoas, nesta época, buscavam 'torrar' seu dinheiro nos supermercados antes que sua carteira desvalorizasse ainda mais; outros, buscavam comprar carros e outros bens físicos que, talvez, futuramente, conseguiriam vender por um preço corrigido. Mas veja que, não havia qualquer fundamento bíblico. Apenas se buscava maximizar a arrecadação, tentando proteger a IASD do ônus da inflação que acometia a todos. Repare que, esta ideia não foi para frente - apesar de estar escrito ali, com aprovação da IASD - e, após o Plano Real, com o controle da inflação, não se falou mais nisso. Mesmo a inflação ainda existindo o corroendo os recursos. Nos últimos meses do governo Dilma, a inflação atingiu 10% a.a., o que resultou numa revolta com o medo do retorno da hyperinflação, de modo que derrubaram seu governo.
Em um dos vídeos da séries Bíblia Fácil da TV Novo Tempo, o público questiona o pastor sobre o dízimo em alguns detalhes. Se é sobre a renda bruta ou sobre a renda líquida. De início o pastor é categórico em colocar a ideia da renda bruta, indicando que seja sobre tudo aquilo que lhe traz algum benefício, mesmo que indireto. Com este argumento em mãos, diz que os impostos do Governo retornam em benefícios para nós, por isso, também deve ser dado o dízimo sobre os impostos. Inclusive sobre o Plano de Saúde que a empresa te paga. Porém, na pergunta seguinte, dá um passo atrás, e no cenário em que a pessoa aluga um imóvel para a sua empresa, o pastor diz que não se deve dizimar sobre o valor que é destinado a pagar o aluguel do imóvel, mas apenas sobre a renda que a empresa lhe gerar (ou seja, um ganho líquido). De modo, que fugiu do argumento que o imóvel pode ou não estar trazendo algum benefício.
Veja como este argumento do 'benefício' também é ruim. No caso do plano de saúde é um seguro. O valor pago pelo plano pode ser maior ou menor que o benefício que este trará de fato. Suponha que não fique doente, não faça exames nem consultas, seu benefício é praticamente zero, na verdade, é negativo, pois você pagou. Dar dízimo sobre um benefício negativo? E no caso contrário, suponha que teve um acidente de carro, ficou meses na UTI, passou por cirurgias, colocou próteses, ganhou um rim novo e teve que usar remédios carísssimos, o plano de saúde gastou R$ 750.000,00 com você, enquanto você só pagou R$ 500,00 pelo serviço. Se a regra (que não está na Bíblia) for o benefício - como o pastor disse - você teria que dar quase R$ 75mil de dízimo, o que pode te levar a falência.
Logo, definir no detalhe o valor da renda a qual dar o dízimo não é prudente, incorre em vários problemas. E, sobretudo, o de poder se tornar um ciclo vicioso que impacta, sobretudo, as famílias de menor renda.
Mas e o argumento de que Abraão prometeu dar dízimo de tudo o que ganhar? Bem, falaremos sobre tal mais tarde. Porém, adianto já uma coisa que reparei nos meus estudos. No Antigo Testamento, não se vê a menor menção sobre dar dízimo pela água consumida. Sendo que a água era um bem muito mais valioso e escasso naqueles tempos, do que atualmente, e hoje, a grande maioria da população, paga pela água que consome. Será que deveríamos descontar o gasto com consumo de água dos dízimos?
O tempo pode se prolongar e prolongar. Mas para simplificar. As palavras de Ellen White resolvem o problema:
"mas Ele deixa todos livres para dizerem quanto seja o dízimo, e se querem ou não dar mais que isso. Devem dar segundo propõem no coração."
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