20 novembro 2018

Livro Ortodoxia, G. K. Chesterton

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O livro Ortodoxia era uma leitura planejada há muito tempo. Mais precisamente, algo em torno de 10 anos. Desde 2008-09 - ao tomar conhecimento de sua existência e comentários. O tempo passou. Novas leituras e bagagens, finalmente, em meados de 2018, chegou a vez desta leitura tão curiosamente aguardada. O livro foi 'incrivelmente' decepcionante e inspirador.

A Decepção

A decepção ocorreu devido a uma expectativa muito alta. Esperava mais do que vi em C. S. Lewis, Kant, dentre outros. Mas me lembrou mais de um escritor de novelas para intelectuais do mundo das artes filosóficas de Pandora. Se houve surpresas e pontos surpreendentes? Sim, e como! Uma leitura fantástica e rica. Mas para quem esperava uma espécie de Shakespeare da Filosofia, Lógica, Teologia, encontra apenas um Victor Hugo menos sério e mais humorado; que rasgou muitas páginas de Os Miseráveis, deixando apenas uma matéria  de capa na New York Times.
Além disso, muitos dos argumentos e pontos abordados, para mim, não houve qualquer novidade. Uma vez que eram temas que já havia lidado na minha História. Como é o caso da suposta equivalência que alguns dizem haver entre o Cristianismo e o Budismo. Porém, este e outros pontos podem ser uma sublime surpresa de primeira viagem para muitos leitores.

As Surpresas e Peculiaridades de Chesterton

A principal peculiaridade: um autor cheio de frases fantásticamente enigmáticas. Porém, não são meros sofismos para se criar 'mais uma' interrogação, mas a genialidade  de produzir muitas exclamações quando você é indagado por poderosos argumentos que ficam 'às entrelinhas'.
Chesterton, em certo aspecto, é um outlier como escritor. Esperava, eu, um C. S. Lewis idoso; encontrei um Camões. Uma mente que tem um amplo conhecimento literário, transborda as sutilezas mais desconhecidas de personagens de épicos clássicos às fantasias infantis para desembaraçar pensamentos de amplo cunho filosófico - pensamentos, por vezes, dificeis de se extrair e distinguir quando se usa apenas um ferramental materialista, concretista realista. Neste aspecto, há resgates do Romantismo, Ficção e Fantasia. E, ainda assim, vemos um autor que se diverte enquanto escreve, apesar que, por vezes, parecia não querer perder tempo escrevendo sobre o assunto. A leitura navega de forma leve, com raras ondas sinuosas, inclusive com um bom tom de humor, apesar que dificilmente este livro te fará rir. Neste ponto foi um deleite para quem está acostumado com textos frios, de exatas e acadêmicos. 

A Estrutura e Método

Chesterton é um tipo de autor que prefere as poucas palavras. Para ele, esta é a arte do literário que faz os outros pensarem. Para ele, 'textos grandes e detalhados' são para mentes preguiçosas. Deste modo, a cada capítulo, vários temas são abordados - alguns em apenas 1 parágrafo. Por vezes, ele relembra o leitor, de forma resumida, o que tratou e as conclusões tiradas até então. 
Seu principal método é em construir a complexidade do mundo em que ora parece muito verde e branco, ora muito vermelho e preto. E nisto mostra as tremendas 'incompletudes' de teóricos e filósofos modernos de sua época, pois suas teorias e crenças falam, muito do vermelho, as vezes, até mesmo muio so do preto; mas, nada do azul. Mostra que algumas ideias implicariam num mundo sem pincéis e tinta, em que a própria tela deixa de existir. Enquanto isso, para ele, o melhor significante que explica é uma tela, o que implica no seu Artista.
É veemente em desconstruir sofismos de contemporâneos. Como a famosa ideia de que "todas religiões são farinha do mesmo saco". Ou que religiosos são fanáticos e loucos. Mostra as incoerências, por exemplo, de algo que já parecia ser o nascimento do feminismo e a crítica que tais fazem as religiões pelas mulheres serem as que mais frequentam os cultos cristãos. Dentre um punhado de outras.
Sua estratégia não é enfrentar diretamente. Mas, por vezes, reconstrói pensamentos que o atormentavam desde criança. Seu aprendizado com a literatura e até 'de fadas'. E a esta 'construção'  ele chama de Ortodoxia. Qual, mais tardar, ele notou que não era nada de novo, pois já era a filosofia cristã dos apóstolos. 

Onde Chesterton deixou a desejar

Apesar de sua inteligência em seu amplo potencial de enfrentar pensadores progressistas, ateistas, materialistas e por ai vai, em termos de teologia não há nada de interessante. Demonstra ser alguém que pouco conhecia de Bíblia, tendenciosa em aceitar e seguir o clero Católico. Não perde oportunidades de criticar os reformistas e protestantes, em especial, sempre cita o Calvinismo. Isto evidencia um forte lado católica, inclusive no aspecto de aparentar conhecer pouco a Bíblia por si, mas mais pelo credo. Se esperava um apologista, saiba que a Bíblia nem mesmo recebe o papel de coadjuvante; o Cristianismo que ele fala parece não apelar nenhuma necessidade bíblica, o que parece fluir das páginas, que o Cristianismo que ele defende é o da Tradição da Igreja Romana.
O ponto mais trágico neste ponto é sua tentativa, nas entrelinhas, de defender a perseguição da 'Santa' Inquisição, dentre outros feitos ICAR. Seu argumento é que a Igreja do Papa buscava evitar um grande 'perigo para a humanidade'. Este perigo seria essas linhas de pensamento 'progressistas', como que um dragão libertado pela reforma protestante.
Outro ponto é quanto a própria Ortodoxia. Ele é tão superficial (ao ponto de nem citar versos da Bíblia) que o leitor precisa fazer um malabarismo mental para 'estimar' o que é esta tal de 'doutrina primitiva dos apóstolos' (ele cita, mas não fala). De igual modo, muitas coisas não ficam claras. Exemplo, sobre o embate entre Criacionismo Edênico e Darwinismo. Esse excesso de superficialismo trás, por vezes, a impressão de que ele não sabe sobre o que está falando, antes apenas tagarelando com algumas analogias; o que dá munição para quem queira criticar sua obra e linha argumentativa.

Conclusão Final

Não sei qual foi a repercussão e impacto deste livro quando lançado (ano de 1874), a mim, não impactou muito. É um livro que ampliará mais seu leque de argumentação e objeções a vários ismos, filosofias humanistas e progressistas, neoateismo, dentre outros ao invés de lhe dar um novo rumo na vida. O que faz sentido por ser tão citado em autores e pensadores de apologia. Não li sua biografia, mas me parece um homem simpático, despreocupado, bem humorado que gosta de ficar sentado e ouvir/ler histórias com pausas para algumas gargalhadas quase infantis; com mais estórias do que histórias na cabeça. 
O que mais me surpreendeu é que o livro te contextualiza sobre as discussões filosóficas da sociedade na época. E que os dias de hoje não são novidade, mas apenas uma materialização das propostas de tais pensadores de 100-200 anos atrás. Isto me fez compreender melhor as origens desses movimentos e pensadores atuais que cativam a tantos dentro e fora do cristianismo. O que faz deste livro ja centenário parecer uma obra tão atual e válida para os temas de hoje.